sábado, 4 de fevereiro de 2023

Bar Mignon: uma longa história familiar

 Bar Mignon: uma longa história familiar

https://www.turistoria.com.br/bar-mignon-uma-longa-historia-familiar

Heitor Amatuzzi, o fundador, era filho de um imigrante italiano da região da Calábria, na Itália. Seu pai veio com o irmão para a Argentina, mas depois migrou a Curitiba. Aqui casou com Itália Jeanjauli Amatuzzi. Heitor nasceu em março de 1899 e, aos 28 anos, abriu o “Café Mignon”, especializado na venda de pasteis.


Heitor Júnior contou melhor essa história em 1992, em entrevista não publicada mas que está disponível na Casa da Memória:


“Foi fundado na rua XV, na rua XV, no 80, onde permanecemos até o ano de 1945. Houve um incêndio no prédio no 80, destruindo o Foto Brasil e todas aquelas casas que Curitiba inteira conhecia. E ficamos ali por um ano sem teto e sem nada, trabalhando com uma lona por cima. Quando chovia, dava um metro de água... Agora, sobre o Bar Mignon: em 1945 passamos para o nº42, onde estamos até hoje.”


Desde 1927 o Café e depois Bar se chama “Mignon”. O nome foi escolhido pelo Heitor pai porque a primeira sede, que ficava mais próxima da esquina com a Al. Dr. Muricy, era minúscula. “'
Mignon', em francês, é pequeno. Começamos com bar e pastelaria Mignon, número 80, antes do incêndio. Essa palavra Mignon ficou gravada por ser pequeno”, explicou Heitor Júnior. Quem fazia os pasteis eram a mulher e a mãe de Heitor, que os vendia durante o dia no contraturno de seu trabalho, no Cassino Ahú.


Após o incêndio da primeira sede, os Amatuzzi se mudaram para a atual sede, ao lado do Bar Triângulo, que por ali já estava há pelo menos dez anos. Certamente o vizinho influenciou na troca do nome de Café para Bar Mignon. Rudi Blum, proprietário do Triângulo, foi sócio de Heitor Amatuzzi. 

Pratos tradicionais


Na nova sede, começaram a ser servidos os pratos que tornaram o Mignon famoso. O carro-chefe sempre foi o
 
pão de pernil de porco com cebolinha verde, receita inventada pela família na Itália e que veio de navio a Curitiba: “O Bar Mignon, modéstia à parte, é o único que ainda conserva, na íntegra, o pernil com verde. Foi inventado por meu avô, na Calábria (Itália). Lá, exportavam o pernil e colocavam cebolinha verde, ideia do meu avô que passou para meu pai”, contou Heitor Júnior. O sanduíche foi uma adaptação do pão com pernil de cordeiro temperado, tradicional da Calábria. 


Além do pernil com verde, o Mignon também servia o tradicional
 cachorro-quente, tal qual o seu vizinho Triângulo, mas com algumas diferenças que Heitor Junior não deixava de ressaltar: “O cachorro-quente, por exemplo, todo mundo sabe que é a lingüicinha defumada, depois, com o tempo veio a salsicha que os curitibanos chamam de ‘vina’. Agora, continuamos ainda com a linguicinha defumada, a única existente no Brasil, porque o frigorífico nos fornece há mais de 60 anos e só faz para nós”.


Outro prato característico é o
 Marchand, que só existe no Mignon. Trata-se de uma mistura do pão de pernil com verde e vina, e teria surgido quando Rubens Marchand, então vice-presidente do Coritiba Futebol Clube, ficou na dúvida entre um sanduíche e outro, e acabou misturando os dois. Essa história quem contou e popularizou foi o escritor Manoel Carlos Karam. O assim chamado Marchand ainda é servido no Mignon. 


Geralmente, esses sanduíches eram (e são) feitos com pão d'água ou francês, mas havia também pão de cachorro-quente. Já a linguiça defumada foi sendo, aos poucos, suplantada pela vina tradicional.


Aos mais famintos, também é servido o
 filé de alcatra com arroz, tomate, cebola, salada de maionese e linguiça calabresa no palitinho. A maionese é tratada com louvor, já que a receita é passada de geração em geração de cozinheiras.     

De geração em geração


Sempre regado a muita cerveja e chopp, o Bar Mignon, dos anos 40 aos anos 70, funcionou de sol a sol (incluindo Natal e Ano Novo), sendo uma das únicas opções além do Bar Triângulo e do
 Bar Palácio a se manter aberto na madrugada. Relembra Heitor Júnior:


 “Trabalhávamos 24 horas por dia. Chegamos a ter 40 a 50 funcionários, eram 3 turnos...Antigamente, em Curitiba não havia nada. Havia o Cachorro-Quente, o Bar Mignon, o meu vizinho ali, o Triângulo, e o divertimento de todo o Curitibano que não passou no Bar Mignon ou no Bar Triângulo não pode ser considerado curitibano. Isso na década de 40 a 60, mais ou menos.”


Nessa época, dois dos quatro filhos de Heitor com sua esposa, Itália, já trabalhavam no Mignon:
 
Heitor Júnior e Benedito. Ambos ajudaram a construir os anos áureos do Bar, que ficava repleto de estudantes, jornalistas, esportistas e políticos. Para ajudar, o outro irmão Amatuzzi, Albenir, era jornalista esportivo e sempre estava por ali com seus amigos, como era o caso de Rubens Marchand. Os frequentadores eram majoritariamente homens (o motivo, nós sabemos!). 


Conta Heitor Júnior sobre os políticos no Mignon:


“O Bar Mignon tem histórias incríveis para contar. Por exemplo: na história do bar Mignon, não teve um governador que não foi seu freguês, desde o interventor Manoel Ribas, freguês de cachorro quente, de pernil com verde. Depois veio Ney Braga, o Wallace, pai do governador Requião, também era freguês, o Bento Munhoz da Rocha, já estudante, era freguês, o Álvaro Dias esteve no bar como senador e candidato a governador. Aí falei: ‘pra ser governador, primeiro tem que ser freguês do Bar Mignon’. Ele deu risada e disse: ‘bom, por causa disso, vou começar a frequentar’ e, por coincidência, foi governador. O governador Roberto Requião é freguês do Bar Mignon do tempo que o pai dele, Dr. Wallace, o levava, aos domingos, punha em cima do balcão e ia tomar um aperitivo.”


 

Jaime Lerner também frequentava o bar desde quando era estudante. Entre as presenças não paranaenses, estiveram Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek na década de 90, e Luiz Inácio Lula da Silva.


Paulo Leminski também foi frequentador assíduo:


 “Leminski foi meu freguês vários e vários anos. Até como freguês não era muito bom, porque entrava numa mesa, sentava e ficava 10 a 12 horas, tomando chopinho com uma caipirinha, escrevendo, escrevendo. Era um homem sensacional, onde achava um pouco de paz e sossego era a mesa de um bar” - rememora carinhosamente Heitor.

Fechamento da Rua XV e dias atuais


Dos anos 70 em diante, o Bar Mignon passou a fechar mais cedo, por volta da meia-noite, e abrir no horário do almoço. Um dos motivos era a segurança, e o outro era por conta da rotina puxada do bar. Tanto Heitor quanto Benedito trabalhavam desde criança, todos os dias do ano, praticamente. O que animava era a clientela, 90% dela era fiel, bem como a energia da nova geração dos Amatuzzi, que passou a liderar o Mignon. Mesmo assim, os mais velhos não abdicaram: na casa de seus 90 anos, o fundador Amatuzzi continuava a dar os seus pitacos. 


Com o fechamento da Rua XV para os carros, os hábitos mudaram: as mesas foram transferidas para a calçada sob toldos roxos e o público, composto por cada vez mais turistas, passou a comer e a beber ali, ao invés de ficarem em seus carros e nos balcões do bar — como era feito antes do fechamento. Mas as receitas continuaram as mesmas.


A primeira reforma no Mignon ocorreu em 1995, quando o bar ficou fechado por quatro meses: ele ganhou mais mesas, colocadas sobre um novo mezanino, e uma uma chopeira de porcelana importada da Itália. 


Desde então, o Mignon é administrado por Paulo Cordeiro, genro de Heitor, que casou com Silvia Amatuzzi. Silvia é a segunda filha de Heitor com Lucia Amatuzzi, com quem também teve os filhos Luciano, Márcia Helena e Giovana. Com o genro no balcão, Heitor e Luciano puderam se dedicar ao principal hobby da família: o turfe. Eles, inclusive, compraram um haras, chamado Haras Mignon, e ganharam vários campeonatos regionais e nacionais. Heitor Jr. faleceu aos 81 anos, em 01 de Novembro de 2014.


Hoje, o Bar Mignon está sob a 4ª geração da família Amatuzzi, que mantém a tradição de um dos bares mais antigos e charmosos de Curitiba. Para desfrutar dessa história, nada melhor do que ir até o Mignon e saborear um chopp gelado e um pernil com verde.

Texto e pesquisa de Gustavo Pitz


Fonte de pesquisa:  


ROLIM, Maria do Carmo Marcondes Brandão. “Bares e Restaurantes de Curitiba: décadas de 1950 e 1960”. Curitiba: Editora Máquina de Escrever, 2019.

https://editoramaquinadeescrever.com.br/produto/bares-e-restaurantes-de-curitiba-decadas-de-1950-e-1960/


ENTREVISTA com o proprietário do Bar Mignon - 1992. Curitiba?: [datilografado], 1992.


Centro de Documentação da Casa da Memória.


https://tutanogastronomia.com.br/bar-mignon-por-andre-bezerra/


http://www.bebelritzmann.com.br/2015-05-12-20-28-27/no-balcao-sem-frescura/item/bar-mignon-marchand-e-o-coritiba-foot-ball-club


https://www.jockeypr.com.br/heitor-amatuzzi-junior-sera-homenageado-nesta-quinta/

Bar Stuart, o mais antigo do Paraná

 Bar Stuart, o mais antigo do Paraná

https://www.turistoria.com.br/bar-stuart-o-mais-antigo-do-parana

Hoje falaremos sobre o Bar Stuart, o bar mais antigo do Paraná e um dos mais tradicionais da cidade de Curitiba. Essa tradição está estampada na própria fachada do bar, que traz sua data de fundação: 1904.

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Origem e proprietários


Em 1904, na Rua Comendador Araújo, foi idealizado por Joseph Richter e fundado pelo casal Stuart (origem do nome do bar) o Bar e Confeitaria Stuart. Inicialmente também levava o nome de confeitaria pois o estabelecimento vendia doces, salgadinhos, sorvetes, entre outros. Tinha como funcionários os irmãos Afonso e Leopoldo Mehl.



Em 1934 os irmãos Mehl compraram o Bar, e ele passou a funcionar na esquina das Ruas Voluntários da Pátria e XV de Novembro, na Boca Maldita. Na década de 1950, o dono do prédio em que o bar estava alocado, Artur Hauer, decidiu por demoli-lo. Constâncio Bocardin, outro comerciante da região, fez aos irmãos a proposta de ceder a eles o seu ponto - onde ficava uma farmácia.


Os Mehl aceitaram a proposta, e o bar se transferiu, em 1954, para o local onde está até hoje - em frente à Praça Osório, esquina com a Alameda Cabral. Três anos depois, em 1957, o prédio que estava sendo construído no antigo lugar do bar ficou pronto, e o proprietário convidou os irmãos a voltarem para lá.


Eles não entraram em consenso quanto à proposta e a sociedade entre os irmãos foi desfeita. Afonso ficou com o Bar Stuart e Leopoldo abriu a Confeitaria Iguaçu.



Alguns anos depois, Afonso passou o Bar para seu cunhado, Ronald Abrão (de apelido “Ligeirinho”), que já havia trabalhado no Stuart quando criança/adolescente. Abrão, por sua vez, fez sociedade com o italiano Dino Chiumento, que já trabalhava há anos no Stuart.


Dino Chiumento começou a administrar o bar em 1973. Lá ele já trabalhava como garçom desde 1949. Ele chegou em Curitiba, vindo da Itália, com 14 anos. Trabalhava em um restaurante de Morretes até ser convidado por Leopoldo Mehl, proprietário à época, para vir trabalhar no Stuart. Aceitou a proposta, começando a trabalhar como garçom e depois passando a administrar o bar.


Ele ficou à frente do Bar até 2008, quando Nelson Ferri o comprou. Ferri era muito conhecido entre os frequentadores do bar e aparece na maioria das fotos mais recentes tiradas no bar, principalmente as com famosos, que estão estampadas nas paredes do estabelecimento.

Ferri veio a falecer em abril de 2021. Ele lutava contra um câncer no pulmão e havia contraído COVID-19, ficando dez dias internado e dois dias entubado.


O bar tem também seus garçons tradicionais, que acabam se tornando amigos dos clientes, entre eles Jorge (o Alemão), Dino Chiumento (que mesmo após não estar administrando o bar continuou como garçom) e Joelson.

Fregueses e amigos do Bar


Como já trouxemos em texto recente aqui no Turistória sobre o Bar Triângulo - outro bar próximo ao Stuart - os bares são espaços em que as sociabilidades se manifestam, em que os frequentadores se sentem à vontade para conversar sobre os mais diversos assuntos.


Com o Stuart não era diferente. Além disso, o Bar ficava próximo à redação de vários jornais da capital paranaense. Diversos jornalistas eram presença frequente no bar, e muitas vezes escreviam as próprias matérias dos jornais de dentro do bar. É o que conta Ronald Abrão, em relato presente no livro “Bares e Restaurantes de Curitiba: décadas de 1950 e 1960”:


"O quadro jornalístico de Curitiba botei dentro do Stuart. Quem fazia os jornais antigamente, fazia dentro do Stuart. Era o Milton Carvalho de Oliveira, o Renato Ribas, o Carlos do Valle, que era dono da Gazeta do Povo, o Zanello, do Paraná Esportivo, o Charchetti, um dos maiores repórteres que Curitiba teve, três vezes ganhador do Prêmio Esso de Reportagem, o Aurélio Benitez. Essa raça fazia as reportagens dentro do Stuart." 


Além dos jornalistas, o Bar também já recebeu diversos políticos e celebridades. Já visitaram o bar tanto políticos de tempos mais remotos como Bento Munhoz da Rocha e Manoel Ribas como de tempos mais atuais, como o ex-presidente Lula e os ex-governadores do Paraná Roberto Requião e Jaime Lerner. Ex-Jogadores de futebol, como o falecido Sicupira - presença frequente - e Romário também já passaram pelo bar.


Artistas, como o poeta curitibano Paulo Leminski, eram frequentadores assíduos do bar. Leminski tinha sua mesa habitual onde costumava se sentar, à entrada do bar, e escrever suas poesias com papel, caneta e um copo de vodca. 


Cardápio tradicional


Ligeirinho, em sua época à frente do bar, começou com a tradição de realizar um sorteio diário de uma rifa valendo algum animal, como um leitão, peru, frango, etc. Um dos pratos mais famosos do bar é o de testículos de boi, introduzido na década de 1970 e o mais conhecido do bar. Ele pode ser servido ao molho ou à milanesa. O prato começou a ser servido na época em que Chiumento estava à frente do Stuart.


Conta ele que a ideia partiu de um fazendeiro do interior. "Ele trouxe a carne para a gente. Preparamos e servimos. O pessoal gostou. Só falamos o que era depois que as pessoas perguntaram", relatou Dino para a Gazeta do Povo em 2014.



São pratos famosos também a carne de onça, a carne de rã, a codorna, o rabo de jacaré, entre outros. Além deles, há também o chopp e as centenas de bebidas disponíveis nas prateleiras do bar.

 

Com diversas sedes e diversos proprietários ao longo de sua história, o Bar Stuart mantém-se há 117 anos na vida dos curitibanos como um patrimônio da capital paranaense, preservando décadas de tradição e levando o título de bar mais antigo do Paraná.