Flodoaldo Mattoso e a Casa na Rua Alferes Poli: Modéstia, Solidez e o Traço de Eduardo Fernando Chaves na Curitiba de 1936
Na Curitiba de meados dos anos 1930, entre o entusiasmo da modernidade e a persistência das tradições, erguiam-se casas que, embora modestas em dimensões, carregavam em si o peso dos sonhos de uma classe média em consolidação. Entre essas edificações — muitas já desaparecidas sob o avanço do concreto ou o descaso pelo patrimônio comum — encontra-se a residência projetada pelo arquiteto Eduardo Fernando Chaves para o senhor Flodoaldo Mattoso, localizada na Rua Alferes Poli, bairro que, na época, integrava o crescente tecido residencial da capital paranaense.
Embora demolida em 2012, a casa permanece viva nos traços precisos de um projeto arquitetônico preservado em microfilme no Arquivo Público Municipal de Curitiba — um documento que, mais do que linhas e cotas, revela uma forma de viver, de construir e de pertencer à cidade.
Um Lar de Pequeno Porte, Mas Grande Significado
Em 15 de setembro de 1936, Eduardo Fernando Chaves, já ativo na cena arquitetônica local, assinava o “Projéto de Casa para o Sr. Flodoaldo Mattoso” — grafia típica da época, com acento em “projéto” e tratamento formal de “Sr.”. O projeto, contido em uma única prancha, reunia todos os elementos essenciais à construção: planta do pavimento térreo, planta de implantação, cortes e fachada frontal, demonstrando economia de recursos sem abrir mão da clareza técnica.
Localizada na Rua Alferes Poli — uma via que ainda hoje corta os bairros Centro e São Francisco —, a residência foi concebida como moradia de pequeno porte, com 150,00 m² distribuídos em um único pavimento. Apesar da classificação como “pequena”, sua área era considerável para os padrões da época, especialmente quando comparada às casas operárias ou econômicas de 60 a 90 m². Tratava-se, portanto, de uma moradia para uma família de classe média estável, talvez ligada ao comércio, ao funcionalismo público ou às profissões liberais.
O material construtivo escolhido — alvenaria de tijolos — revela uma intenção clara: durabilidade e respeitabilidade. Diferentemente das casas de madeira, comuns nas periferias e zonas menos valorizadas, a alvenaria simbolizava permanência, segurança e inserção urbana. Era o material daqueles que não pretendiam apenas morar, mas deixar raízes.
Flodoaldo Mattoso: O Homem por Trás do Nome
Pouco se sabe sobre Flodoaldo Mattoso. Seu nome não figura em registros biográficos extensos, nem em anuários comerciais da época de forma proeminente. No entanto, o fato de ter contratado um arquiteto reconhecido como Eduardo Fernando Chaves — mesmo para uma residência de pequeno porte — indica que era um homem com certa estabilidade financeira e sensibilidade para o valor do bom projeto.
O sobrenome Mattoso sugere origens lusitanas, comum na elite e na classe média curitibana do período. Em 1936, o Brasil vivia sob a sombra crescente do Estado Novo, com ênfase na ordem, no trabalho e na valorização do lar como célula da sociedade. Nesse contexto, ter uma casa própria — planejada, legalizada, construída com tijolos — era um ato de cidadania e de realização pessoal.
É provável que Flodoaldo tenha morado na casa por décadas, criando filhos, recebendo amigos, acompanhando o crescimento da cidade da varanda de seu quintal. A casa, embora singela, era seu refúgio e seu testemunho no mundo.
Eduardo Fernando Chaves: O Arquiteto da Cidade Cotidiana
Mais uma vez, Eduardo Fernando Chaves demonstra sua versatilidade e compromisso com o habitar humano. Diferentemente de arquitetos que buscavam o espetáculo estilístico, Chaves dedicava-se à arquitetura do cotidiano — aquela que serve, protege, acolhe. Seu projeto para Flodoaldo Mattoso, embora mais simples que o da residência de Ewaldo Hauer (300 m², dois pavimentos), mantém a mesma clareza espacial, lógica funcional e coerência construtiva.
A fachada frontal, embora não possamos analisar detalhes ornamentais devido à limitação do microfilme, provavelmente seguia os padrões do ecletismo tardio com toques de racionalidade moderna: vãos proporcionais, simetria sutil, telhado de duas águas e talvez um pequeno alpendre ou varanda integrada — elementos comuns nas residências burguesas da época.
O fato de o projeto incluir cortes e implantação mostra que Chaves pensava a casa em relação ao terreno, ao sol, à ventilação e à privacidade — preocupações que, embora hoje sejam comuns, nem sempre eram priorizadas por construtores informais na década de 1930.
A obra foi legalizada com o Alvará de Construção nº 2186/1936, emitido pela Prefeitura Municipal de Curitiba, o que reforça a regularidade e a seriedade do empreendimento.
A Demolição e o Silêncio da Memória Urbana
Em 2012, a casa foi demolida. Não há registros públicos sobre as razões — especulação imobiliária, deterioração, ou simples desinteresse pelo valor histórico. O que restou foi apenas o documento arquitetônico e o alvará, guardados no Arquivo Público como memória fria, mas essencial.
Essa perda é simbólica: representa o destino de centenas de residências comuns que, embora não sejam monumentos, compõem a textura íntima da cidade. São elas que dão alma aos bairros, que contam histórias de gerações, que marcam o ritmo da vida cotidiana.
Conclusão: O Valor do Ordinário
A casa de Flodoaldo Mattoso não foi um ícone arquitetônico. Não apareceu em revistas, não inspirou movimentos, não abrigou figuras históricas. Mas foi real. Foi um lar. Foi um projeto pensado com cuidado por um arquiteto dedicado. Foi um símbolo de dignidade para um cidadão comum.
Hoje, ao estudar sua planta, podemos imaginar o corredor que ligava os quartos à sala, a cozinha voltada para o fundo, o quintal onde talvez houvesse uma árvore frutífera. Podemos sentir, mesmo à distância do tempo, o peso afetivo do lugar.
Que a demolição física não signifique apagamento total. Que o projeto de Chaves, preservado em microfilme, continue a inspirar pesquisadores, historiadores e cidadãos a valorizar não apenas os palácios, mas também as casas simples que, juntas, constroem a verdadeira história de uma cidade.
Porque, afinal, é na casa comum que a vida acontece de verdade.
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Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto
Denominação inicial: Projéto de Casa para o Sr. Flodoaldo Mattoso
Denominação atual:
Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência de Pequeno Porte
Endereço: Rua Alferes Poli
Número de pavimentos: 1
Área do pavimento: 150,00 m²
Área Total: 150,00 m²
Técnica/Material Construtivo: Alvenaria de Tijolos
Data do Projeto Arquitetônico: 15/09/1936
Alvará de Construção: Nº 2186/1936
Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de casa e Alvará de Construção.
Situação em 2012: Demolido
Imagens
1 - Projeto Arquitetônico.
2 - Alvará de Construção.
Referências:
1 – CHAVES, Eduardo Fernando. Projéto de Casa. Planta do pavimento térreo, implantação, cortes e fachada frontal apresentados em uma prancha. Microfilme digitalizado.
2 - Alvará n.º 2186
1 - Projeto Arquitetônico.
2 - Alvará de Construção.
2 - Alvará de Construção.
Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.



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