sábado, 15 de novembro de 2025

José Muzzilo e Sua Casa na Alameda Augusto Stellfeld: Um Retrato Humilde da Curitiba dos Anos 1920

 

José Muzzilo e Sua Casa na Alameda Augusto Stellfeld: Um Retrato Humilde da Curitiba dos Anos 1920

Enquanto os palacetes da elite curitibana roubavam os olhares com suas fachadas ornamentadas e jardins suntuosos, milhares de casas modestas erguiam-se pelas ruas da cidade, cada uma carregando o sonho silencioso de uma família em busca de estabilidade, lar e dignidade. Entre elas, havia a residência encomendada por José Muzzilo — um homem cujo nome quase desapareceu na poeira do tempo, mas cujo projeto arquitetônico, embora simples, fala volumes sobre a vida cotidiana, as aspirações da classe média emergente e o olhar sensível dos arquitetos da época.


O Homem por Trás do Nome: José Muzzilo

Pouco se sabe sobre a vida pessoal de José Muzzilo. Seu sobrenome sugere origem italiana, provavelmente ligado à grande leva de imigrantes que chegaram ao Paraná entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX — muitos deles atraídos pelas oportunidades agrícolas e urbanas em uma Curitiba em expansão.

Ao contrário de Guilherme Weiss, que encomendou um palacete de 800 m², José Muzzilo sonhava com algo mais contido: uma casa de 120 metros quadrados, de um único pavimento, em um terreno na recém-urbanizada Alameda Augusto Stellfeld — rua que hoje homenageia um dos mais importantes prefeitos da história de Curitiba, responsável por avanços urbanísticos significativos na década de 1930.

O fato de ter contratado o escritório Gastão Chaves & Cia., um dos mais prestigiados da cidade, revela que José, embora não abastado, valorizava a qualidade técnica e estética, mesmo em uma moradia modesta. Ele não queria apenas um abrigo: queria uma casa com identidade.


O Projeto: Simplicidade com Distinção

Datado de 1º de dezembro de 1922, o projeto arquitetônico foi assinado por Eduardo Fernando Chaves, projetista do escritório Gastão Chaves & Cia. Embora menor em escala, o projeto demonstra o mesmo cuidado com a composição espacial e a linguagem formal que caracterizava as obras maiores do escritório.

Características principais:

  • Um único pavimento, típico das residências de classe média da época;
  • Área total de 120 m², distribuída de forma funcional: provavelmente com sala de estar, dois ou três quartos, cozinha, área de serviço e banheiro — uma planta racional, pensada para a vida prática;
  • Construção em alvenaria de tijolos, garantindo solidez e durabilidade, mesmo em uma edificação de pequeno porte;
  • Fachada frontal com traços ecléticos suaves: molduras de janelas, platibanda decorativa, talvez um pequeno alpendre ou varanda — elementos que, embora discretos, conferiam distinção ao conjunto.

O projeto foi apresentado em uma única prancha, contendo:

  • Planta do pavimento térreo;
  • Corte longitudinal;
  • Fachada frontal.

Esse documento, hoje preservado em microfilme digitalizado no Arquivo Público Municipal de Curitiba, é um testemunho valioso da produção arquitetônica voltada à habitação popular e intermediária na Curitiba dos anos 1920.


A Alameda Augusto Stellfeld: Um Bairro em Formação

A escolha do endereço não foi casual. A Alameda Augusto Stellfeld, localizada na região central-sul de Curitiba, era, na década de 1920, uma área de expansão urbana, onde novos loteamentos atraíam famílias que fugiam do centro congestionado ou que buscavam terrenos mais acessíveis.

Nessa época, a cidade ainda mantinha um ritmo calmo, quase rural em muitos trechos, mas já mostrava os primeiros sinais de modernização: calçamento, iluminação pública, bondes elétricos. Uma casa como a de José Muzzilo representava acesso à modernidade doméstica — com divisões claras entre espaços públicos e privados, higiene planejada e integração com o ambiente urbano crescente.


O Desaparecimento: Entre o Esquecimento e a Memória

Em 2012, quando pesquisadores buscaram localizar a residência de José Muzzilo, não foi possível identificá-la. Pode ter sido:

  • Demolida para dar lugar a um edifício ou comércio;
  • Alterada drasticamente, perdendo suas características originais;
  • Ou nunca construída, apesar do alvará ter sido emitido (nº 2965/1922).

Esse destino incerto é compartilhado por centenas de residências históricas de pequeno porte em Curitiba — invisíveis aos olhos dos planos de preservação, mas essenciais para entender a diversidade social e espacial da cidade.

E ainda assim, o projeto sobrevive. Não como uma construção de tijolos, mas como documento histórico, como vestígio de uma vida comum, como prova de que até os sonhos mais modestos merecem ser registrados.


Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto do Povo e da Elite

Chama a atenção o fato de Eduardo Fernando Chaves, o mesmo projetista do suntuoso Palacete Weiss, ter se dedicado também a uma casa tão singela quanto a de José Muzzilo — apenas três meses depois do projeto do palacete, em dezembro de 1922.

Isso revela uma faceta rara e admirável: a capacidade de adaptar o talento arquitetônico a diferentes escalas e realidades sociais. Para Chaves, toda casa era digna de cuidado projetual — seja ela um palacete ou um lar de 120 m².

Essa postura humanista antecipa, de certa forma, os princípios da arquitetura moderna que viriam a florescer nas décadas seguintes, especialmente com figuras como Lina Bo Bardi ou Oscar Niemeyer, que também acreditavam que a beleza e a funcionalidade deveriam estar ao alcance de todos.


Conclusão: A Beleza do Cotidiano

A história de José Muzzilo pode parecer pequena diante da grandiosidade de outras narrativas urbanas. Não há fotografias da casa concluída, não há relatos de festas ou eventos memoráveis em seu interior, não há descendentes (ao menos documentados) que contem suas histórias.

Mas é justamente nessa aparente insignificância que reside sua grandeza.

Porque Curitiba não foi feita apenas de palacetes, mas de milhares de casas como a de José Muzzilo — construídas com esperança, habitadas com amor e, muitas vezes, esquecidas pela história oficial.

Hoje, ao folhear o microfilme do Arquivo Público e contemplar a prancha com a planta, o corte e a fachada dessa residência de 1922, não vemos apenas linhas e medidas. Vemos um homem escolhendo onde criar seus filhos, um arquiteto honrando seu ofício, e uma cidade se construindo, tijolo por tijolo, sonho por sonho.

José Muzzilo pode ter desaparecido. Sua casa, talvez, também. Mas seu projeto — e o direito de sonhar com um lar digno — permanece vivo na memória da cidade que ele ajudou a habitar.

Eduardo Fernando Chaves: Projetista na empresa Gastão Chaves & Cia

Denominação inicial: Projecto de Casa para o Snr. José Muzzilo

Denominação atual:

Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência de Pequeno Porte

Endereço: Alameda Augusto Stellfeld

Número de pavimentos: 1
Área do pavimento: 120,00 m²
Área Total: 120,00 m²

Técnica/Material Construtivo: Alvenaria de Tijolos

Data do Projeto Arquitetônico: 01/12/1922

Alvará de Construção: Nº 2965/1922

Descrição: Projeto Arquitetônico para construção de uma casa.

Situação em 2012: Não localizada


Imagens

1 - Projeto Arquitetônico.

Referências: 

GASTÃO CHAVES & CIA. Projecto de casa para o Snr. José Muzzilo à Rua Alameda Augusto Stelfeld. Planta do pavimento térreo, corte e fachada frontal apresentados em uma prancha. Microfilme digitalizado.

Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba.

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