Moysés de Andrade e o Bangalô da Rua Silva Jardim: Uma Obra Completa de Eduardo Fernando Chaves — Entre a Arquitetura Doméstica e a Vida Cotidiana em Curitiba (1937)
Na primavera de 1937, enquanto Curitiba respirava os ares de transformação urbana e social que marcaríam a segunda metade do século XX, o arquiteto Eduardo Fernando Chaves colocava no papel um dos seus projetos mais completos até então: o “Projéto de Bungalow, Garage e Depósito de Lenha para o Snr. Moysés de Andrade”, localizado na Rua Silva Jardim, nº 975.
Mais do que uma simples residência, este empreendimento revelava uma visão holística e profundamente humana da habitação: uma casa pensada não apenas para abrigar corpos, mas para acolher rituais domésticos, necessidades práticas e aspirações de conforto moderno — tudo isso com elegância discreta, técnica rigorosa e respeito pela escala urbana do bairro.
Apesar de demolido antes de 2012, o bangalô de Moysés de Andrade permanece vivo nos arquivos da cidade — preservado em três pranchas de microfilme digitalizado, no Alvará de Construção nº 2584/1937 e nos detalhes que revelam a alma de um arquiteto comprometido com a vida real das pessoas que habitariam seus espaços.
Um Projeto Integral: Casa, Garagem e Depósito de Lenha
O que distingue este projeto dos demais assinados por Eduardo Fernando Chaves é sua abrangência funcional. Enquanto muitas residências da época contavam com dependências secundárias improvisadas ou adicionadas posteriormente, Chaves concebeu desde o início um conjunto arquitetônico integrado, composto por:
- Bangalô residencial de dois pavimentos (179 m² distribuídos em planta única efetiva, com sobreloja ou área superior para uso íntimo);
- Garagem para automóvel, um luxo ainda emergente na Curitiba dos anos 1930, sinal de modernidade e status social;
- Depósito de lenha, elemento aparentemente anacrônico, mas essencial naquele contexto: os fogões a lenha ainda eram comuns nas cozinhas curitibanas, especialmente no inverno rigoroso da capital.
Essa tríade — moradia, mobilidade e sustento doméstico — demonstra que Chaves não projetava apenas “fachadas bonitas”, mas ecossistemas domésticos completos, sensíveis às práticas cotidianas da família andrade.
A Arquitetura do Bangalô: Dois Pavimentos com Alma Térrea
Embora classificado como edificação de dois pavimentos, o bangalô segue a lógica espacial do estilo: horizontalidade, integração com o terreno e predominância do térreo como núcleo vital. As pranchas preservadas revelam:
- Planta do pavimento térreo com sala de estar generosa, varanda frontal integrada, cozinha e áreas de serviço bem definidas;
- Pavimento superior, provavelmente composto por dormitórios e banheiro, acessado por escada interna — solução comum em residências de classe média alta da época;
- Fachada frontal equilibrada, com simetria suave, vãos envidraçados e beirais pronunciados, típicos do estilo bangalô adaptado ao clima frio do sul;
- Corte C-D, documento técnico de rara clareza, que mostra a estrutura de telhado inclinado, pé-direito confortável e a relação entre os ambientes e a luz natural;
- Muro de divisa projetado como extensão da linguagem arquitetônica, não como barreira isolante, mas como elemento de enquadramento do lote.
Toda a construção foi erguida em alvenaria de tijolos, técnica dominante em Curitiba, que oferecia isolamento térmico, durabilidade e facilidade de execução — ideal para um profissional como Chaves, que provavelmente acompanhava de perto todas as etapas da obra.
Moysés de Andrade: O Cliente e o Contexto Social
Embora pouco se saiba sobre Moysés de Andrade, seu nome sugere ligação com famílias tradicionais do Paraná — talvez de origem portuguesa ou luso-brasileira, comum entre os proprietários de imóveis na região central de Curitiba na primeira metade do século XX.
O fato de encomendar um bangalô com garagem indica que Moysés pertencia a uma classe média ascendente ou elite urbana, que já incorporava o automóvel como parte do cotidiano — um símbolo de progresso em uma cidade onde os bondes ainda dominavam o transporte.
Ao confiar a Chaves não apenas a casa, mas todo o conjunto funcional do terreno, Moysés demonstrava confiança plena no arquiteto — um testemunho silencioso da reputação de Eduardo Fernando Chaves entre os círculos sociais da capital.
Eduardo Fernando Chaves: O Arquiteto da Integração
Este projeto reforça o perfil de Chaves como um profissional integral:
- Projetista com domínio de composição espacial e estética;
- Técnico atento a cortes, instalações e materiais;
- Planejador urbano em miniatura, capaz de pensar casa, muro, garagem e depósito como partes de um todo coerente.
Seus desenhos não são frios — são quentes, habitáveis, humanos. Cada linha parece responder a uma pergunta prática: Onde a dona de casa guardará a lenha no inverno? Como o carro entrará sem molhar o motorista na chuva? Onde os filhos brincarão à sombra da varanda?
Essa empatia com o cotidiano é o que faz de Chaves um arquiteto do povo, mesmo ao projetar para famílias abastadas.
A Demolição e a Persistência da Memória
Em algum momento antes de 2012, o bangalô da Rua Silva Jardim, nº 975, foi demolido. Talvez para dar lugar a um prédio comercial, talvez por abandono, talvez por especulação imobiliária. O que resta são:
- Três pranchas técnicas em microfilme, com plantas, cortes e detalhes;
- O Alvará nº 2584/1937, testemunho da legalidade e do zelo burocrático da época;
- O silêncio do lote vazio, que um dia abrigou risos, cheiro de lenha queimando e o som do portão da garagem se fechando ao entardecer.
Mas os arquivos não mentem: a casa existiu.
E Eduardo Fernando Chaves a fez com alma.
Conclusão: A Grandeza do Detalhe Cotidiano
Hoje, ao estudar o projeto para Moysés de Andrade, não vemos apenas uma residência demolida. Vemos um retrato de uma época, onde a arquitetura ainda servia à vida — não ao espetáculo, não ao lucro imediato, mas ao bem viver.
Eduardo Fernando Chaves pode não ter assinado edifícios monumentais, mas deixou um legado mais duradouro:
a certeza de que cada casa, por mais modesta, merece ser pensada com carinho, técnica e respeito.
Que este bangalô, embora desaparecido fisicamente, continue inspirando arquitetos, historiadores e cidadãos a valorizar o patrimônio do cotidiano — aquele que não está nos cartões-postais, mas nos microfilmes do arquivo, nos alvarás amarelados e nas memórias das ruas que ainda lembram os nomes dos que nelas construíram lares.
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Eduardo Fernando Chaves: Arquiteto
Denominação inicial: Projéto de Bungalow, Garage e Depósito de Lenha para o Snr. Moysés de Andrade
Denominação atual:
Categoria (Uso): Residência
Subcategoria: Residência de Pequeno Porte
Endereço: Rua Silva Jardim, nº 975
Número de pavimentos: 2
Área do pavimento: 179,00 m²
Área Total: 179,00 m²
Técnica/Material Construtivo: Alvenaria de Tijolos
Data do Projeto Arquitetônico: 12/04/1937
Alvará de Construção: Nº 2584/1937
Descrição: Projetos Arquitetônicos para construção de bangalô, garagem e depósito de lenha; Alvará de Construção.
Situação em 2012: Demolido
Imagens
1 - Projeto Arquitetônico.
2 - Corte C-D da residência e muro.
3 - Projeto para garagem e depósito de lenha.
4 - Alvará de construção.
Referências:
1, 2 e 3 - CHAVES, Eduardo Fernando. Projéto de Bungalow, Garage e Depósito de Lenha. Planta dos pavimentos térreo e superior, fachada frontal e corte; planta do corte C-D, muro e instalação; planta da fachada frontal, corte e planta para garagem e depósito de lenha, apresentados em três pranchas. Microfilme digitalizado.
4 - Alvará n.º 2584
1 - Projeto Arquitetônico.
2 - Corte C-D da residência e muro.
3 - Projeto para garagem e depósito de lenha.
4 - Alvará de construção.
4 - Alvará de construção.
4 - Alvará de construção.
4 - Alvará de construção.
4 - Alvará de construção.
4 - Alvará de construção.
Acervo: Arquivo Público Municipal de Curitiba; Prefeitura Municipal de Curitiba.









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