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domingo, 1 de janeiro de 2023

Histórias de Curitiba - O Ídolo e a correria

 

Histórias de Curitiba - O Ídolo e a correria

O Ídolo e a correria
Carlos Sotti Lopes

Era final de 69 ou início de 70, não importa muito.
Meu pai, Tico Lopes, então Deputado Estadual, havia me dado um conselho, na sexta à tarde, antes de voltar a Irati:
Cuidado amanhã de manhã, ali na Boca Maldita.
Vai ter quebra-quebra entre estudantes e a polícia. Não se envolva, voce veio para Curitiba para estudar...
Meu pai era um santo na Terra, zeloso com a família.
Até demais.
Mas o conselho foi bom.
Aliás, uma informação preciosíssima para um jovem de 18 anos, calouro de Direito...
Ainda que não fosse mesmo me envolver, por devota obediência paterna, não perderia essa por nada.. Ou quase nada. ás 9 da manhã de sábado plantei-me na entrada da Galeria Tijucas, a famosa, no coração da Boca.
Ali era um camarote.
É difícil lembrar qual era, no varejo, o motivo da passeata.
No atacado, a gente sabe até hoje, com aquela máscara do "prá frente Brasil".Fácil lembrar é que estáva-mos em clima de futebol tri-campeão. O Corinthians estava na cidade, hospedado no Guaíra Pal-ace Hotel, na Praça Ruy Barbosa, aliás como faziam todos os nossos ídolos que vinham a Curitiba. O Guaíra era o charme de então. O Vinícius tomava três litros por dia, me contavam os porteiros do hotel.
Eu morava ao lado, num prédio pequeno, que existe até hoje.
As 11 horas começou.
Na Avenida "João Pessoa", ainda a-berta a carros, o trânsito parou.
Vieram os estudantes, sentido Uni-versidade-Osório.
Um monte, com faixas, palavras de ordem e refrões. A gloriosa PM acompanhava; a soldadesca nervosa.
De repente, alguém deu a ordem.
Na altura do Cine Avenida começou a pauleira.
Cassetetes e cavalos contra pedras e bolinhas de gude.
Total confusão, gente correndo prá todo lado.
Uma balbúr-dia.
No meio do Bolo, dois jovens correram em direção a mim.
Um era alto negro, forte como um pujilista. O outro era baixo, branco (mais ainda pelo susto), com bigodes e corrida de craque.
Surpreso e quase não acreditando, reconheci.
Eram Ditão e Rivelino, craques do Corinthians, que tinham saído da concentração para um passeio no sábado azul da pacata Curitiba. O Riva puxou meu braço e gritou:
- Garoto, prá que lado fica o Hotel Guaíra?, perdido que estava na confusão.
Puxei o braço dele também e saímos correndo juntos. "Eu também vou para o Hotel", gritei. O Ditão já estava na metade da galeria, mas o alcançamos.
Corremos muito, saímos do outro lado da Tijucas, contornamos a Praça Osório e só voltamos a andar, forte, na altura da "Okey", ali na Travessa Jesuíno Marcondes.
Eles assustados e eu adorando o "passeio"ao lado do meu segundo ídolo depois de Pelé. Ofegantes, chegamos os três ao Hotel.
- Obrigado garoto, você está hospedado aqui? Como é o seu nome?
- Não, eu moro aqui ao lado.
Me chamo Carlos.
Recebi um abraço. Tão surpreso e feliz, esqueci de pedir um autógrafo.
Tenho dúvida se ele conseguiria, trêmulo que estava.
Deixei prá lá a passeata, mas por um bom motivo.
Dia seguinte, fui vê-lo no "Belfort Duarte", contra o Atlético, apesar de "coxa-branca". O "Garoto do Parque"ainda parecia ofegante. Não correu muito, mas lançou e fez um golaço de falta, do meio da rua, suas especialidades.
Valeu Rivelino.
Obrigado pelo passeio.
Curitiba está agora maior e mais linda.
Volte sempre.
Passearemos mais tranqüilos,então, na Ruas das Flores.

Carlos Sotti Lopes é advogado.