UM IMPÉRIO CHAMADO HERMES MACEDO
Grupo paranaense Hermes Macedo chegou a ter 263 lojas em seis estados brasileiros, 15 mil colaboradores e patrimônio avaliado em US$ 500 milhões. Sucessão familiar e planos econômicos levaram à falência da empresa na década de 1990.
Em uma sala de reuniões, diante de um questionamento feito durante entrevista sobre qual seria a sua preocupação com o futuro da empresa de sucesso que havia fundado há 50 anos, o empresário de reações rápidas e perspicazes paralisou. A resposta de Hermes Macedo à equipe de comunicação e
marketing, em 1982, foi relacionada à gestão e sucessão. “Ter quem continue o que eu construí até agora”, lembra-se da resposta do empresário o então diretor de Marketing e Propaganda do Grupo Hermes Macedo, Sinval Martins.
A preocupação de Macedo tinha fundamento. Segundo matéria publicada na Revista Pequenas Empresas Grandes Negócios, o momento da transição de gestão em empresas familiares tem se mostrado crítico e desafiador. Os dados revelam que mais de 70% das empresas não resistem à segunda geração de gestores e chegam ao fracasso do empreendimento em pouco tempo. Com o Grupo Hermes Macedo não foi diferente.
Os períodos conturbados e instáveis da economia e da política marcaram decisivamente não só o mundo, mas a vida pessoal e empresarial do gaúcho de Rio Pardo, Hermes Macedo, a começar pelo
seu nascimento, em 1914, ano do início do primeiro grande conflito mundial.
Filho de comerciantes, venceu um concurso internacional de caixeiro viajante, aos 15 anos de idade, por comercializar retratos ovais, pintados e emoldurados, muito comuns à época. Ele vendeu mais que o dobro de quadros do segundo colocado. Neste mesmo período, decidiu deixar o Rio Grande do Sul e o destino escolhido foi a capital paranaense, cidade onde um irmão mais velho residia.
Em meio aos reflexos da crise econômica de 1929 e às instabilidades que antecederam a 2ª Grande Guerra, Hermes Macedo viu a possibilidade de empreender. Em 1932, as relações comerciais entre os países estavam fragilizadas e importar mercadorias era praticamente inviável. Hermes e dois irmãos passaram a adquirir carros usados com o intuito de desmanchá-los e revender as peças. Nascia assim a Agência Macedo, na Rua João Negrão, em Curitiba. “Doutor Hermes nasceu com a índole para ser empresário, principalmente comerciante. Quando fundou a empresa, a totalidade de veículos que rodavam no Brasil eram importados e a indústria de reposição de peças era praticamente inexistente. Comprar carros e revender as peças foi o maior insight que ele teve na vida como empresário”, destaca Martins.
O negócio deu tão certo que em 1938 teve início a expansão da empresa com a inauguração da primeira filial, na cidade de Ponta Grossa. De lá até 1982, quando a empresa comemorou 50 anos, a média de inaugurações de lojas eram de quatro anualmente.
Campanha Política a Deputado Federal em
outubro de 1962, em Ponta Grossa.
O Político
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Paraná, Hermes Macedo entrou para vida política em 1962, eleito deputado federal pela primeira vez. Durante cinco mandatos como deputado federal, defendeu ferrenhamente as reivindicações do Paraná em Brasília, como a duplicação da BR-116, entre Curitiba e São Paulo, melhorias no Porto de Paranaguá e a necessidade de incentivos para a agricultura. “Como político, ele era um visionário e sempre dizia que era do tempo em que política se fazia no fio do bigode. Acredito que a duplicação completa da BR-116 nunca foi concluída durante seus mandatos, porque não se permitia aceitar apoio e em troca ter que votar a favor de um projeto que não julgasse correto ou justo”, pontua Martins.
Em 65 anos de história o Grupo HM tornou-se um império. A empresa chegou a contabilizar 263 lojas nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e, por fim, Minas Gerais. Tornou-se uma das maiores potências comerciais do país, líder absoluto em vendas no setor de utilidades domésticas, autopeças, pneus e loja de departamentos.
Em 1981, a empresa era a 107ª maior do Brasil, a 59ª em faturamento e a 41ª em lucratividade.
No ano seguinte, e pela segunda fez consecutiva, conquistou o título de empresa de melhor desempenho no setor do comércio varejista, pela Revista Exame, e era o maior recolhedor do Imposto sobre Operação Relativa à Circulação de Mercadorias (ICM) dos estados do Paraná e de Santa
Catarina. Nesta época, o patrimônio da empresa estava estimado em torno de US$ 500 milhões e uma cartela de dois milhões de clientes.
Troféu Vigorelli - maior revendedor da marca por 25 anos
Nos anos 40 e 50 da empresa, o crescimento foi exponencial, tendo mais de 20 construções em andamento ao mesmo tempo, com espaços de lojas variando de 200m2 a 10.000 m2. Somando todas as lojas próprias, a empresa chegou a ter 650.000 m2 de área, além dos espaços alugados, somando quase um milhão de metros quadrados de lojas. Nesta época, a HM adquiriu dois aviões; um dele ficava, quase exclusivamente, para a equipe de arquitetura vistoriar as obras.
Por inúmeras vezes, o Grupo HM recebeu títulos de maior revendedor do Brasil dos principais produtos comercializados, como amortecedores Cofap, Arno e Walita, General Electric, Goodyear, máquinas de costura Vigarelli, televisores Phillips e Semp, bicicletas Caloi e Monark, Lambretta, instrumentos musicais Giannini, itens Honda e Consul. “O Grupo HM foi o maior vendedor mundial das bicicletas Caloi, o maior importador e distribuidor mundial de pneus de várias fábricas. Era o maior revendedor de pneus Goodyear e Pirelli no mundo. O incentivo ao transporte rodoviário em detrimento ao ferroviário propiciou o incremento da indústria e do comércio de peças e de pneus e a empresa expandiu-se neste ramo”, relembra o ex-diretor da Divisão Técnica do grupo, o arquiteto Eduardo Pereira Guimarães, enfatizando que a empresa chegou a diversificar de tal maneira o mix de produtos comercializados, que alcançou a marca de 150 mil itens.
O grupo foi composto por 19 empresas que atuaram em diversos ramos de atividade, entre eles o de participações, material de construção, financiadora, distribuidora de títulos e valores mobiliários, seguros, consórcios, prestadora de serviços, cartões de crédito, administração patrimonial, propaganda e promoções, banco e investimentos. O doutor Hermes Macedo era uma escola fantástica, em termos de organização e de crescimento pessoal e profissional”, avalia Martins.
1º jornal para os colaboradores
O Patrão
A equipe de funcionários que iniciou com Hermes Macedo na primeira loja era de confiabilidade do empresário e, ao abrir filiais, era a um deles que destinava à gestão do novo empreendimento.
“Ele criou um grupo de colaboradores de confiança e à medida que a loja se expandia, ele distribuía essas pessoas”, conta Guimarães. Ele relembra a criação da sociedade Hermácia Esporte Clube,
com sede própria, localizada a 30m de Curitiba, “com o objetivo de unir os colaboradores, promovendo desfiles, competições esportivas, festas e, no fim do ano, os filhos de todos os funcionários eram presentados. Além disso, havia biblioteca e departamento médico à disposição”, destaca. Em agosto de 1954, foi criado o jornal O Hermaciano, uma publicação bimestral que reunia mensagens aos colaboradores, objetivos alcançados, metas, dicas, orientações, resultado de campeonatos internos, fotos, passatempos. Como incentivo ao seu quadro funcional de quase 15 mil pessoas foi criado o Plano Quinquênio – premiação a cada cinco anos completados
na empresa –, prêmios por vendas e aos colaboradores era dado o benefício de aquisição de produtos da loja pelo preço de custo. Ainda hoje, antigos colaboradores da empresa, os Hermacianos, encontram-se regularmente.
Além de exímio administrador, Hermes Macedo mostrou-se inovador em suas ações na empresa.
Exemplo disso foi o pioneirismo na criação do Sistema Crediário, uma forma de possibilitar que a classe média pudesse ter acesso aos produtos de maneira facilitada na forma de pagamento. “Ele tinha uma visão empresarial impressionante e talvez tenha sido ele o criador do crediário no Brasil, o pagamento por meio de carnês”, revela Guimarães.
Em 1987, o Grupo HM foi destaque no Boletim de Telecomunicações para Grandes Usuários, produzido pela Telepar, sobre a inovação que o Grupo HM havia implantado: o serviço de telemarketing Clic HM. “Acompanhando a tendência comercial moderna, o Grupo HM passou a utilizar o telefone como instrumento de sustentação de negócios, aplicando técnicas de vendas por telefone, tanto ativas como passivas”, traz a matéria da época.
A empresa adquiriu em 1975 um computador e foi necessária a construção de ambiente de 1.000m2 para abrigá-lo, com sistema de nobreak e de refrigeração, mantendo a temperatura entre 15ºC e 18ºC.
O uso do equipamento foi destinado exclusivamente à área financeira da empresa, em detrimento à comercial.
O empresário era muito bem quisto na sociedade e foi escolhido pelos formandos do Senac Curitiba, em 1954, como patrono de turma; a eles aconselhou sobre não se acomodar com as conquistas obtidas. “Aquele que escolhestes para ser o vosso paraninfo não nasceu em berço de ouro, e também, como vós outros, muito cedo iniciou-se na sinfonia do trabalho. Labutando desde a meninice, incessantemente, com o maior entusiasmo e ao mesmo tempo estudando à noite, conseguiu concluir seu curso de Direito. Assim sendo, bem posso avaliar os esforços e sacrifícios dos vossos diplomas e vos aconselho que não deveis dormir nos louros conquistados”, alertou.
O trabalho do empresário refletia diretamente na comunidade onde estavam inseridos seus empreendimentos. Em 1938, na Praça Generoso Marques, em frente ao prédio do atual Sesc Paço da Liberdade e da antiga matriz da Agência Macedo, uma multidão reuniu-se para acompanhar a transmissão dos jogos da Copa do Mundo via rádio. A ação foi repetida na Copa de 1970, com televisores ligados em todas as vitrines das mais de 40 lojas espalhadas pela região Sul e Sudoeste.
Hermes Macedo era um entusiasta do xadrez e por diversas vezes promoveu e patrocinou campeonatos da modalidade. Uma delas foi a Copa HM de Xadrez, promovida pelo Clube de Xadrez de Curitiba e pelo Sesc da Esquina, com patrocínio do Grupo Hermes Macedo, que se repetia todos os anos.
Além disso, eram levadas caravanas de artistas às cidades sedes de suas lojas e promovidos shows gratuitos, uma espécie de presente à comunidade. Martins lembra que as festividades de Natal eram marca registrada do grupo. “Nossa campanha de Natal era muito bonita e promovíamos a chegada do
Papai Noel. Tínhamos em Curitiba a Gruta Encantada com mais de 100 figuras em movimento.
Era um verdadeiro acontecimento para a cidade. Chegamos a colocar em um desses eventos mais de 100 mil pessoas na Avenida Marechal Deodoro, isso há 40 anos”, pontua Martins. A atração natalina
Homenagem dos fornecedores do Grupo HM aos 56 anos da empresa, publicado no jornal Indústria e Comércio de 1988 não se resumia às lojas. A residência do empresário, em Curitiba, construída em estilo normando, era enfeitada e ponto turístico obrigatório em dezembro.
O reconhecimento da comunidade rendeu a Hermes Macedo, em 1982, o título de Cidadão Honorário do Paraná, concedido pela Assembleia Legislativa do Paraná e, em outubro de 1984, a honraria de Empresário Emérito, outorgado pela Federação do Comércio Varejista do Estado do Paraná.
O compromisso da empresa não era apenas com os fornecedores, havia com os consumidores uma relação de sinceridade. Tanto é verdade que os discursos e linguagem da publicidade eram pensados e direcionados a falar diretamente com o público das lojas.
Quando do aniversário de 44 anos da empresa, um anúncio das lojas Hermes Macedo era referente a possíveis atrasos na entrega das mercadorias. “Entregar pontualmente não é favor. É obrigação. (...) Temos nossas falhas, devemos reconhecer. Vez por outra atrasamos a entrega de uma geladeira, de uma lancha. (...) Queremos que sempre que haja um atraso, mesmo por questão de minutos, você reclame. Assim poderemos melhorar sempre e atendê-lo cada vez melhor”, dizia trechos do
anúncio.
Assim como todo o Grupo Hermes Macedo, a comunicação da empresa também era grandiosa.
Na década de 1980, eram gravados 20 comerciais de televisão, 400 matrizes originais para as rádios e 17 anúncios para jornais todas as semanas e, a cada 45 dias, um jornal tabloide de 24 páginas era produzido, totalizando um milhão e meio de exemplares. Diversos slogans foram criados e são lembrados até hoje “Do Rio Grande ao Grande Rio” e “Pneu carecou... a HM trocou"...
Antigo comercial da Lambretta
Seis campanhas anuais como Dia das Mães, Natal Sem Capital e Grande Venda Cooperação.
O cenário econômico e político brasileiro das décadas de 1980 e 1990, o Plano Bresser (1987) – que congelou preços, aluguéis e salários –, Plano Verão (1989) – que congelou preços e salários, alterou a moeda para Cruzado Novo, estabeleceu novas regras para correção da poupança –, Plano Collor I (1990) – que substituiu o Cruzado Novo pelo Cruzeiro, confiscou valores dos investimentos em poupança acima de 50 mil Cruzados Novos, por 18 meses –, e o Plano Collor II (1991) – responsável pelo congelamento de preços e salários, aumento de tarifas públicas e alteração na taxa de juros –, a sucessão familiar na gestão do empreendimento em 1983, cisão nos anos de 1990, a diversificação exagerada dos produtos ofertados e troca de diretorias, foram decisivos na falência da empresa, em 1997. Hermes Macedo faleceu em 1993, aos 79 anos de idade.
Em 2012, o presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR, Darci Piana, e Eduardo Pereira Guimarães assinaram documento oficializando a doação de materiais do Grupo Hermes Macedo ao Sistema Fecomércio. Os objetos recebidos comporão o acervo do Museu do Comércio, que será criado na futura sede da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Paraná.
(Blog: Silvinhabl/Texto - Silvia Bocchese de Lima/Acervo: Museu do Comércio)
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