segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Conflitos do transporte III: A alfafa subiu? A tarifa também...

 

Conflitos do transporte III: A alfafa subiu? A tarifa também...

por Fernanda Foggiato

Bonde tombado por estudantes na revolta de 1945 contra o aumento da passagem em dez centavos. (Foto: Reprodução/Arquivo Cid Destefani/Coluna Nostalgia/Gazeta do Povo)

O preço da passagem de bonde de primeira classe, em que as pessoas só podiam "viajar calçadas", começou, em 1887, em 200 réis até o Batel e em 100 réis nas outras linhas. Nos vagões mistos, em que os passageiros dividiam espaços com as cargas, o “coupon” custava 100 réis. Mas logo surgiram reajustes e questionamentos, que confrontavam os valores devido à qualidade do serviço ofertado.

A Ferro Carril publicou na imprensa, em 30 de setembro de 1896, um aviso de reajuste da passagem, que a partir de 1º de outubro seria de 200 réis nas linhas Batel e Aquidaban. “Este augmento é rigorosamente motivado pela actual crise que passa o commercio. […] A alfafa e outras forragens, artigos necessarios para os animaes dos serviços das linhas dos bonds, têm acompanhado essa elevação”, justificou. Em julho de 1898, a Câmara divulgou a aprovação do reajuste das tarifas, que passaria a vigorar no dia seguinte. Todas as linhas diretas, por exemplo, foram fixadas em 200 réis.

Em junho de 1900, o jornal “A Republica” publicou um artigo sobre a tarifa dos bondes, em que criticava o contrato entre a empresa Ferro Carril Curitybana e a Câmara Municipal, acusada de tratar as deficiências do sistema com clemência, em prejuízo da população. “Verificamos que pelo primeiro additamento feito ao primeiro contrato, é a companhia obrigada a fazer o calçamento entre os trilhos e mais 0,30 a margem. No emtanto, quem percorrer as linhas do Batel e Aquidaban se certificará inteiramente do contrario”, alertou.

O artigo também apontou irregularidades nos horários e falta de asseio nos bondes, dentre outras questões, normatizadas tanto pelo contrato quanto por um regulamento aprovado pela Câmara em 1897. A Ferro Carril Curitybana, continuou “A Republica”, tentava aprovar uma nova tarifa para o trecho entre o Teatro Hauer e o Quartel do Regimento de Segurança. “Até o quartel, este preço não poderá exceder os 100 reis a partir do theatro Hauer, ou 200 reis a partir do Matadouro”, opinou.

A publicação também contestava declarações dos gestores da empresa de bondes, de que as linhas Aquidaban, Fontana e Matadouro eram mantidas por patriotismo: “É puro gracejo. […] O publico não tem obrigação de sacrificar o ser dinheiro e portanto suas economias para enriquecer uma empreza”.    

Revolta de 1945
Saindo dos tempos dos “coupons” cobrados em réis para a tarifa em cruzeiro e da gestão do transporte pela Ferro Carril para a administração do sistema, já elétrico, pela Companhia Força e Luz do Paraná (CFLP), Curitiba teve, em 1945 - no pós-guerra - uma revolta estudantil devido ao anúncio de reajuste da tarifa em 10 centavos. Segundo o jornalista Cid Destefani, em matéria do jornal “Gazeta do Povo”, na coluna “Nostalgia”, o comunicado foi publicado em 31 de maio e o aumento já valeria, tanto para os bondes quanto para os ônibus, no dia seguinte.  

“Foi o estopim com retardo para o que iria acontecer no dia 3 de junho, quando à noite, por volta das 21 horas, começaram os protestos dos estudantes universitários que em número aproximado de uma centena fizeram uma viagem de bonde da praça Zacarias ao Seminário, retornando ao ponto de partida, onde retiveram o veículo até as 23 horas. À frente da multidão os diretores da União Paranaense dos Estudantes [UPE], cujo presidente Francisco Oswaldo Costelucci falou às pessoas ali reunidas, atacando os lucros das passagens e os altos lucros auferidos pela CFLP. O manifesto foi pacífico, contando com a presença de policiais”, escreveu o jornalista, em 1993.

No dia 5, disse a coluna, “as manifestações começaram a tomar o rumo da violência, apesar do manifesto publicado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Empresa de Carris de Curitiba, apelando ao povo que apoiasse o aumento que iria trazer melhorias aos trabalhadores e que a situação dos salários, como estava, era insustentável”. Os estudantes, contou Destefani, lotavam os bondes e se negavam a pagar as passagens.

“No dia 6, pela manhã, foi tombado um bonde da linha Juvevê, na avenida João Gualberto. […] Em resposta às reivindicações estudantis, o governo mandou, à noite, piquetes de cavalaria da Força Policial para a frente dos colégios Iguaçu e Novo Ateneu, quando os milicianos deram cargas com suas espadas desembainhadas contra os estudantes que saíam das provas parciais de meio de ano. Vários foram feridos, tendo inclusive cavalarianos tentado adentrar com suas montarias no Colégio Iguaçu. Foi uma verdadeira operação 'matar no ninho', para impedir que os colegiais voltassem a atacar os coletivos. Motivados por esta agressão, os estudantes criariam poucos dias depois a União Paranaense dos Estudantes Secundaristas”, relatou.

Ainda de acordo com a pesquisa de Destefani, os protestos seguiram até o dia 15 de junho e foram apoiados por operários e professores. “As manifestações de junho de 1945 só terminaram quando Manoel Ribas voltou da viagem que fizera ao Rio de Janeiro, reassumindo a Interventoria do Paraná”, finalizou.

“Cheio como um ovo”
Atraso, lotação, sujeira e goteiras eram algumas das críticas à conservação dos bondes. “Vê-se o maior descuido, nota-se que nem o espanador, nem um panno molhado, tiveram a dita de andar por ali. […] Nos bancos, em logar de verniz, ostentava-se uma bella camada de pó”, assinou Zé das Dornas, em artigo publicado no jornal “A Republica”, em maio de 1890.

No mesmo jornal, em junho de 1894, questionava-se como era possível andar de bonde em dias chuvosos: “Espera-se um bond duzentos e tantos minutos! [...] São mesmo uma casa velha toda cheia de gotteiras”. Em maio de 1896, um cidadão, cansado do “bond cheio como um ovo”, cobrava um código para regulamentar as viagens. Esse documento, dizia, teria que determinar o limite de quatro pessoas por banco, vedar a prática de escarrar nos vagões e afixar a pessoas “com mais de 60 centímetros de base” o pagamento da passagem em dobro.

Se as condições dos bondes chamavam a atenção, a dos burros que os puxaram até 1913 também era lamentada, com denúncias de maus-tratos aos animais. “Ah! Quanto horror! O pobre do burro estava magro e já não podia mais. Apanhou tanto, que cheguei a contar-lhe cinco mil quinhentas e dezoito bordoadas! […] Sociedade Protetora dos Animaes, onde estais tu?”, escreveu João de Tapitanga, em junho de 1894, no “A Republica”.

“Velhos, vagarosos, mal lavados e mal cheirosos, mas sempre super lotados, os poucos bondes que servem o curitibano nos dias que passam se constituem num martírio indispensável”, definiu a “Gazeta do Povo” em 1952, ano que os bondes elétricos, já raros, deixaram de circular em Curitiba. A última viagem seguiu do Centro ao Portão, em julho daquele ano. O transporte coletivo da cidade, desde então, gira em torno dos ônibus.

Leia também:

Conflitos do transporte: “fura-catracas” de hoje são “pula-bondes” de ontem

Conflitos do transporte II: a pau e pedras, a revolta dos carroceiros

Antes dos primeiros “omnibus”, os bondes puxados por mulas

A história da Garagem de Bondes de Curitiba


Confira mais reportagens históricas sobre Curitiba na seção “Nossa Memória”.


Nota: As citações de atas e notícias, entre aspas, são reproduções fiéis dos documentos pesquisados. Por isso, a grafia original não foi modificada.


Referências Bibliográficas - “Conflitos do transporte III: A alfafa subiu? A tarifa também...”

01| Jornal A República. Curitiba, PR. 10/05/1890. Acesso em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=215554&PagFis=801

02| Jornal A República. Curitiba, PR. 03/06/1894. Acesso em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=215554&PagFis=4051

03| Jornal A República. Curitiba, PR. 19/06/1894. Acesso em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=215554&PagFis=4091

04| Jornal A República. Curitiba, PR. 24/05/1896. Acesso em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=215554&PagFis=6428

05| Jornal A República. Curitiba, PR. 30/09/1896. Acesso em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=215554&PagFis=6820

06| Jornal A Republica. Curitiba, PR. 23/07/1898. Acesso em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=215554&PagFis=8826

07| Jornal A Republica. Curitiba, PR. 10/06/1900. Acesso em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=215554&PagFis=11010

08| Jornal Gazeta do Povo. Coluna Nostalgia. Curitiba, PR. 06/06/1993. Disponível no blog Curitiba Naqueles Idos. Acesso em:
http://curitibanaquelesidos.blogspot.com.br/2015/01/revolta-estudantil-junho-de-1945-causa.html

09| Jornal Gazeta do Povo. Curitiba, PR. 19/04/2013. Acesso em:
http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/o-ultimo-bonde-0dt8puhkvoogsxlv8yquh8b4e

10| Jornal Gazeta Paranaense. Curitiba, PR. 10/11/1887. Acesso em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=242896&PagFis=2031

Vila Nossa Senhora da Luz foi criada para “desfavelar” Curitiba

 

Vila Nossa Senhora da Luz foi criada para “desfavelar” Curitiba

por Fernanda Foggiato e Michelle Stival da Rocha

A inauguração da Vila reuniu, além do prefeito Ivo Arzua e do governador Paulo Pimentel, o presidente Castelo Branco e uma comitiva de militares. (Foto: Acervo Casa da Memória)

“A presença de favelas em Curitiba torna transfigurada sua beleza natural. A remoção dará a nossa cidade o privilégio de ser a primeira completamente desfavelada em todo o país.” Com frases assim, a imprensa paranaense comemorava, em 1966, a implantação da Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, que levava o nome da padroeira da capital.

Primeiro conjunto habitacional da cidade e um dos pioneiros do Brasil, inaugurado em novembro daquele ano, pela Operação Desfavelamento Cohab-CT, ele pretendia realocar famílias das cerca de 25 ocupações irregulares da capital – de locais como o Rio Belém, o Santa Quitéria e a Favela do Ahú.


A movimentação começou um ano antes, com a desapropriação do terreno que receberia o empreendimento. A CIC, que atualmente ocupa 10% do território da cidade, naquela época era o Barigui do Portão, um vazio verde com algumas chácaras e colônias – o nome atual foi oficializado só em 1975. Durante a “lua de mel” da imprensa com o projeto, a Vila era definida como “fascinante experiência social”, “de inestimável valia, sob o ponto de vista social e urbano”, “grandiosa obra realizada pela atual administração em favor da reintegração na sociedade da população marginalizada”, “exemplo nacional”, “primeira desapropriação de área em Curitiba por interesse social”, “com dimensões de uma cidade” e “início da campanha de erradicação das favelas de Curitiba”.

Na Câmara Municipal, os vereadores destacavam que o nome da Vila “por virtuosa inspiração do senhor prefeito municipal [Ivo Arzua]” era “louvável”. “Oxalá Nossa Senhora da Luz dos Pinhais asperja suas luzes e bênçãos sobre os governantes e governados de nossa capital, minorado o sofrimento de todos”, cita o parecer da Comissão de Legislação e Justiça, em 1965, à mensagem do Executivo para denominar o empreendimento popular. “Esperamos que seja um modelo de urbanização e de amparo assistencial aos menos favorecidos”, acrescentou o colegiado de Viação, Obras e Serviços Públicos, dentre outros pareceres antes da análise da matéria em plenário.

A construção das primeiras 2.150 casas financiadas da Vila – 1.750 do “tipo A” e 400 do “tipo E” - foi iniciada em dezembro 1965. A ideia era que o local fosse uma “cidade autônoma”: antes das administrações regionais, espécie de subprefeituras criadas na década de 1980, a Nossa Senhora da Luz contou com uma superintendência. Denominada Suviluz, a autarquia foi aprovada pela Câmara de Curitiba e criada pela lei municipal 2922/1966, mas acabou extinta três anos depois. Na mensagem aos vereadores, Arzua destacava a “fascinante experiência social” no campo da habitação popular. Justificava, também, que essa estrutura administrativa era necessária, “sob pena de regressão ao estágio infra-humano de vida para seus habitantes”.

Na inauguração oficial, dia 11 de novembro de 1966, o palanque reuniu, além do prefeito Ivo Arzua e do governador Paulo Pimentel, o presidente Castelo Branco e uma comitiva de militares. Arzua, no final de seu discurso, saudou as “milhares de famílias de nossos irmãos, brasileiros, que viviam em condições subumanas”. Castelo Branco finalizou: “A grande obra mais pertence à Revolução que a qualquer governo”.

Triagem
A “Gazeta do Povo” noticiou, na edição de 10 de novembro de 1966: “Famílias faveladas ganham alegres casas no Barigui”. As primeiras delas, relatou o jornal, haviam sido transferidas dois dias antes, de “barracos” da cidade. “Alguns acham que a casa é pequena, mas admitem francamente que é melhor do que o lugar onde viviam. […] As possibilidades de ampliação [dos imóveis] são boas, porque há área de terreno e inclusive base para um modesto primeiro andar.”

Segundo a reportagem, a mercearia em funcionamento, à época a única em quilômetros, “não fornece bebida alguma, para ninguém”, por orientação oficial. “E o mais curioso é que apesar de serem favelados, em sua maioria, os que ali vão residir, ninguém reclamou contra isso”, completou. A “Gazeta” ainda relatou que os moradores foram “escolhidos a dedo” e “passaram por diversos programas de orientação de curto prazo. A maioria deles é religiosa (católica), não são dados a vícios e têm princípios de higiene naturais ou adquiridos”.

Em janeiro de 1967, antes da remoção de mais pessoas para o local, o “Diário do Paraná” estampou a reportagem: “Educar para depois desfavelar”. Segundo a publicação, a prefeitura havia anunciado que as 500 famílias que seriam transferidas para a Vila, após um estudo de assistentes sociais detectar que elas não apresentavam “condições de hábitos para formar a nova comunidade”, precisariam passar por um “estágio de educação para posterior remoção”. A recomendação, inclusive, seria do Banco Nacional de Habitação (BNH), financiador do projeto. “Essas quinhentas famílias seriam removidas para um Centro de Triagem, a ser instalado nas proximidades da Vila”, acrescentou o jornal. A Suviluz coordenaria a atividade, com a ajuda da Fundação de Recuperação do Indigente.

Segundo o arquiteto Alfred Willer, um dos autores do projeto da Vila Nossa Senhora da Luz e o primeiro diretor-técnico da Cohab-CT, de 1965 a 1968, “a triagem existia”, sob a responsabilidade de assistentes sociais do órgão público, criado anos antes. “O levantamento, realizado a partir de 1966, serviu para estimar a população favelada de Curitiba e os questionários forneceram valioso material de pesquisa. O número de casas decorreu desse levantamento”, conta. Mas para poder financiar uma casa na Vila, ele lembra que o BNH “somente aceitou famílias com carteira assinada, o que resultou na eliminação de algumas delas”.

No livro “Cidade Industrial”, da coleção “Bairros de Curitiba”, o jornalista e urbenauta Eduardo Fenianos afirma que a Vila foi formada ali já com a intenção de prover mão de obra às indústrias que seriam instaladas. Em agosto de 1967, reportagem do “Diário do Paraná” celebrava a desapropriação de terreno para a instalação do Distrito Industrial, próximo à Vila. Lá havia “farta disponibilização de mão de obra”, e não haveria os “distúrbios” causados por indústrias em zonas residenciais, apontava o jornal.

Já Willer diz que a área foi escolhida pelas “condições favoráveis do terreno, firme e seco”, “declive suave para facilitar o escoamento de água pluvial, dispensando terraplanagem”, pela “proximidade de indústrias madeireiras, local de trabalho [para os futuros moradores]” e “fácil acesso por rodovia, ônibus e trem”.

“Uma Vila com sede”
Só que para os habitantes da Vila Nossa Senhora da Luz irem à cidade, no início, o jeito era apelar para o trem, já que a primeira linha de ônibus, até a praça Rui Barbosa, foi implantada em fevereiro de 1967. A população, mesmo assim, queixava-se que os veículos eram insuficientes. De acordo com uma carta do morador Deusdet Palmeira Silva, publicada no dia 29 de março pelo “Diário do Paraná”, apenas três ônibus serviam uma população de 3 mil pessoas. “Além disso os veículos são velhos e há falta de higiene em seu interior”, acrescentou.

Em março, foram abertas as matrículas para a escola da Vila - conhecida como “Grupão” e premiada, depois, pelo projeto arquitetônico. As obras estariam na fase final, mas as primeiras turmas só começaram a funcionar em 1º de junho de 1967. Segundo Willer, que nega ter faltado infraestrutura para a transferência das famílias, as crianças estudavam em um estabelecimento do bairro Fazendinha.

Cinco meses depois da pomposa inauguração, os problemas que afligiam os moradores, principalmente a falta de água, estamparam a capa da edição de 15 de abril de 1967 do “Diário do Paraná”: “Uma Vila com sede”. De acordo com a matéria, faltava luz e a água havia acabado. A matéria enumerava outros problemas denunciados pelos moradores: dois meses depois do início do ano letivo, o grupo escolar da vila não estava em atividades. As crianças haviam sido matriculadas, um dos três pavilhões estava pronto e havia professores mas, de acordo com a publicação, faltavam as carteiras. “E a gurizada fica o dia inteiro na rua.” Quanto aos ônibus, a população também questionava a parada dos veículos na entrada da comunidade, sem que trafegassem por suas ruas. Havia casas cuja energia elétrica não havia sido ligada à rede. Sobre as ruas sem pavimentação, o comentário era: “Quando chove há lama, quando não chove pó”.

No dia seguinte, o jornal publicou o editorial “Vila em crise”: “Construíram-se as casas e lá foram jogadas, despreparadas para a vivência comunitária, famílias de favelados, famílias de pequenos servidores do município e de trabalhadores de baixo nível de ingressos”. A comunidade foi chamada de “empreendimento político”. E a imprensa continuou noticiando os problemas na Vila, com destaque à falta de água: “Os moradores, principalmente as crianças, vão e voltam carregando baldes e latões”.

“Antes de ser atendida pela Sanepar, a Vila foi equipada com uma estação de tratamento”, explica Willer. Mas a falta de água, em agosto de 1968, virou caso de polícia. “Um caminhão foi impedido de distribuir água na Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais pela administração da Suviluz, sob a alegação de que o líquido estava contaminado.” A acusação era que um candidato à Câmara Municipal de Curitiba pretendia trocar a água por votos.

Os moradores reclamavam, ainda, que o posto policial não tinha viatura, da falta de empregos nos arredores, da distância do Centro, de preços superiores aos praticados no restante do comércio da cidade e da ausência da coleta de lixo. Em agosto de 1968, a rede de esgoto apresentou problemas: “As manilhas foram rompidas, formando-se um banhado negro e fétido, que é uma ameaça constante de epidemia a preocupar os moradores da região”.

Essas situações chamavam a atenção dos vereadores. Vinham deles demandas para a instalação de colégio de ensino médio, centro profissionalizante e a coleta regular do lixo, por exemplo. Em outubro de 1968, a Cohab-CT respondeu denúncias publicadas sobre a Vila. Segundo um funcionário do jurídico da companhia, haveria “intrusos” no local: “Além de não pagarem qualquer taxa, recusaram-se a aceitar todas as propostas feitas para a regularização da ocupação ilícita das moradias. Essas famílias simplesmente instalaram-se nas casas”.

Em janeiro de 1969, moradores denunciaram à imprensa que a desidratação estaria causando “elevado número de vítimas” na Vila. “Adiantaram que a causa da grande incidência é a promiscuidade em que vivem as crianças, já que quando atacadas pela doença as mães não possuem o esclarecimento devido, além da falta de recursos para combater a desidratação.” Para resolver o problema das torneiras secas e, consequentemente, dos riscos à saúde gerados pelo consumo de água inadequada, a prefeitura anunciou, em abril de 1969, que “em breve” começaria as obras para a implantação de uma estação de captação e tratamento das águas do rio Barigui.

 
Matérias relacionadas:
 
 
 
 
Confira mais reportagens históricas sobre Curitiba na seção “Nossa Memória”.

Na foto aparecem 19 pessoas, da esquerda para a direita em pé: Anacleto Garbaccio, Léa Garbaccio Siqueira Silva, homem de gravata, Laura (irmã de Léa), Nilda (irmã de Anacleto), Amália (irmã de Anacleto), Igínia (mãe de Égle), Felice (marido da Amália). Sentados: Ada (irmã de Léa), Iole (filha do Carlo), Elza (irmã de Gino, filha de Amália), Clara (irmã de Léa), Égle (esposa de Carlo), Gino (filho de Amália), Anito (irmão de Gino), uma menina de roupa branca e um menino de chapéu e roupa branca. A família está em uma varanda com grades de madeira.

 Na foto aparecem 19 pessoas, da esquerda para a direita em pé: Anacleto Garbaccio, Léa Garbaccio Siqueira Silva, homem de gravata, Laura (irmã de Léa), Nilda (irmã de Anacleto), Amália (irmã de Anacleto), Igínia (mãe de Égle), Felice (marido da Amália). Sentados: Ada (irmã de Léa), Iole (filha do Carlo), Elza (irmã de Gino, filha de Amália), Clara (irmã de Léa), Égle (esposa de Carlo), Gino (filho de Amália), Anito (irmão de Gino), uma menina de roupa branca e um menino de chapéu e roupa branca. A família está em uma varanda com grades de madeira.


A Alameda Augusto Stellfeld em agosto de 1937, sendo pavimentada. Bem ao fundo, o alto Bigorrilho. Ao centro, um poste de energia elétrica.

 


A Alameda Augusto Stellfeld em agosto de 1937, sendo pavimentada. Bem ao fundo, o alto Bigorrilho. Ao centro, um poste de energia elétrica.


1895 Família Amaral na sacada de seu chalé, situado na Praça Carlos Gomes [Rua Pedro Ivo]. Aparecem, da esq. para direita..: Baba [?] com criança no colo, Noemia do Amaral, Ana Messias Pacheco do Amaral e Silva [2ª esposa do Doutor Victor], Victor Ferreira do Amaral e Silva, Homero do Amaral

 1895 Família Amaral na sacada de seu chalé, situado na Praça Carlos Gomes [Rua Pedro Ivo]. Aparecem, da esq. para direita..: Baba [?] com criança no colo, Noemia do Amaral, Ana Messias Pacheco do Amaral e Silva [2ª esposa do Doutor Victor], Victor Ferreira do Amaral e Silva, Homero do Amaral


1943 Reunião da família Amaral na 2º residência do Doutor Victor Ferreira do Amaral e Silva. Entre outros, aparecem, da esquerda para direita: [sentados] Yvette Gutierrez Valente, ao fundo seu filho [já falecido na época, uma montagem], Ivette Paulinea Amaral, Ana Messias Pacheco do Amaral e Silva, Victor Ferreira do Amaral e Silva, Noemia Gutierrez Valente. Atrás de Dona Yvonne, seu marido, Renato Valente, atrás do Doutor Victor, seu genro, Alexandre Harthey Gutierrez, atrás de Dona Noemia, seu irmão, Linneu Ferreira do Amaral

 1943 Reunião da família Amaral na 2º residência do Doutor Victor Ferreira do Amaral e Silva. Entre outros, aparecem, da esquerda para direita: [sentados] Yvette Gutierrez Valente, ao fundo seu filho [já falecido na época, uma montagem], Ivette Paulinea Amaral, Ana Messias Pacheco do Amaral e Silva, Victor Ferreira do Amaral e Silva, Noemia Gutierrez Valente. Atrás de Dona Yvonne, seu marido, Renato Valente, atrás do Doutor Victor, seu genro, Alexandre Harthey Gutierrez, atrás de Dona Noemia, seu irmão, Linneu Ferreira do Amaral


Histórias de Curitiba - Sai um X-Careca

 

Histórias de Curitiba - Sai um X-Careca

Sai um X-Careca...
Abrão Assad

Abril de 1968, fundos da casa da família Oliveira Mello, na velha Padre Anchieta da chacrinha do Champagnat, da Caixa D'Água, da turma do "Paranazinho", do Luiz Carlos, do Repolho e tantos outros que formavam a mais briguenta e incencível turma de bairro da época.
Sonhador, visionário, otimista, realizador, nosso lendário personagem, ainda jovem, montara a título de laboratório uma lanchonete completa, onde funcionava o salão de jogos da família.
Cada invenção mais maluca que a outra.
Seus vizinhos, parentes e amigos e o pessoal do Albergue Noturno São João Batista eram as cobaias.
João Paulo de Oliveira Mello gostava de inventar.
Sempre foi um pioneiro.
Naquela época, foi o primeiro do Brasil a fazer entregas domiciliares, tipo disk.
Abriu o "Disk-Tenha", uma empresa especializada em entregar qualquer tipo de mercadoria em casa.
Um dia, D. Glacy Cotait cliente de quase todos os dias, telefonou dizendo que tinha entrado ladrão em sua casa. A "Disk-Te-nha"mandou três carros ao local para buzinar, enquanto os motoristas gritavam "Pega ladrão, Pega ladrão!"
No dia seguinte, a firma mandou a fatura pelo trabalho de ter espantado o ladrão.
Era inovador.
João Paulo queria que num pão de hambúrguer com queijo fosse colocado parte do famoso "sortido", que era um prato variado, hoje conhecido como P.F. (prato feito). Assim, achava que as pessoas iriam almoçar um sanduiche.
Foi muito difícil convencer os curitibanos a comer carne moída espremida no meio de um pão.
Em todo caso, acabado de ser inventado, mundialmente, o "Cheese Salad".
Um dia, entra em meu escritório da Av. João Gualberto o João Paulo.
Queria que eu desenvolvesse um projeto para abrir mil lojas. A primeira seria a da Comendador Araújo, esquina com a Brigadeiro Franco.
Foi um sucesso.
Virou o ponto de encontro de Curitiba.
Seu nome: Tipiti.
Nesta mesma época, fechamos a rua XV com o projeto calçadão.
Os carros que comu-mente faziam a paquera da Rua XV, Correio Velho, Marechal De-odoro, Emiliano Perneta, Voluntários da Pátria e Avenida João Pessoa, foram o circuito Tipiti da Comendador Araújo, Brigadeiro, Vicente Machado, Visconde do Rio Branco: era o point. O sucesso me animou tanto que criei o porquinho do Tipiti, e alguns bichinhos e figurinhas do famoso cardápio. A rede cresceu, chegou a 33 lojas, 73 carrinhos de cachorro-quente, cinco vagões-lanchonetes e 1 circo, que ao invés de palhaços tinha garçons que sempre gritavam: Sai um X salada careca...", que era o "Cheese Salad"sem alface.
Foi a maior rede de foods do Brasil na década de 70. E curitibana.

Abrão Assad é arquiteto.

Histórias de Curitiba - Mas que Gosto tinham?

 

Histórias de Curitiba - Mas que Gosto tinham?

Mas que Gosto tinham?
Pedro Franco Cruz

Num misto de surpresa e incredulidade, reparo que estas "300 histórias" já se encaminham para seu final e, até agora, ninguém ousou deitar falação sobre o mais célebre curitibano de todos os tempos.
Quem? Ora, quem! o Zequinha, é claro! O Zequinha das balas.
O que fora as balas Zequinha todo mundo sabe. E quem sabe não vai ficar sabendo aqui neste curto espaço.
Mas vale lembrar que, junto com Dalton Tre-visan, Zequinha foi o conterrâneo que até hoje mereceu mais artigos na imprensa, mais análises de estudiosos, estudos acadêmicos, teses universitárias, o escambáu.
Sobre ele, um marketólogo derramado - cuidado, sempre há um deles por perto, de plantão - escreveu tratar-se do exemplo mais acabado de revolucionária engenharia de original marketing, seja lá o que isso quer dizer.
Na outra ponta, foi louvado e cantando na "avenida", no samba-enredo de uma de nossas escolas de carnaval, o que fez Séigio Porto, vulgo Lalau Ponte Preta, revirar-se na tumba, mas desta vez de puro regozijo, diante de exemplo cabal de originalíssima construção da polca do polaco malucão - seja já o que isso venha a ser.
O caso é que, como dizia lá em cima, corríamos o risco de encerrar as "300 Histórias" (ou seriam 325??) cometendo a inenarrável injustiça de não mencionar neste espaço o simpático palhaço das mil caras, das mil profissões, das mil situações - até coveiro e enforcado foi, o coitado - e das raríssimas figurinhas premiadas.
Consegui algumas em meus anos de muito tique, bafo e roubalheira, mas prêmio que é bom , nécas de pitibiriba.
Por isso, minha vingança, tantos anos depois, tem a forma de uma singela pergunta dirigida a todo leitor maior de quarenta anos: voce, por acaso, lembra do gosto das tão afamadas balas Zequinhas?
Andei fazendo essa mesma pergunta por aí, a muitos antigos colecionadores de figurinhas Zequinha, até um padre, o vigário da paróquia de São Ambrósio, o Menor.
Ouvi de tudo como resposta. O padre Argelin, por exemplo, de primeiro enrubesceu ainda mais o caretão gordo e em seguida jurou, de mãos postas, que se tratava de algo assemelhado ao gosto de maná do deserto, que por sua vez, e segundo tratado do teólogo bizantino Equinócio de Sabâudia, assemelha-se ao gosto do pão ázimo embebido em adocicado vinho de missa.
Já o jornalista mais bem informado da cidade, Hélio Teixeira, reconheceu não se lembrar com exatidão, mas garantiu que procuraria se informar.
Exatos 4 minutos e 38 segundos depois, ele ligou para informar que uma fonte muitíssimo bem posicionada, e que por isso mesmo pedia sigilo, lhe garantira que as balas Zequinha tinha gosto de butiá conservado em puríssima cachaça de Morretes. "É isso aí, pode escrever que eu garanto", enfatizou o sempre bem informado jornalista.
Ao prefeito, encaminhei a pergunta através de sua ágil Secretaria de Comunicação.
Pela mesma, recebi a resposta, vazada mais
ou menos nestes termos: "Sua Excelência considera vil e abjeta a pergunta que lhe foi em má hora apresentada, óbvia alusão a seus 178 quilos e alguns gramas, e mais isto e mais aquilo, ainda mais ig-nominiosa por fazer referência a um de seus mais caros idioletos , e que se apiede de vós a amantíssi-ma Mãe Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, e mais aquilo e mais isto, e assim sendo..."
Curiosíssimas foram as respostas obtidas numa reunião de Degustadores Anônimos de Guloseimas, a exemplo daquelas reuniões de degustadores de vinhos tão bem descritas pelo Luiz Groff. 'Ah! gosto de pitangas almiscara-das!", garantiu um. "Pitangas al-miscaradas colhidas com o orvalho da manhã", completou o segundo. "Sim, pitangas almiscara-das colhidas com o orvalho da manhã à tênue sombra de um pinheiro centenário no início da primavera", tentou ser definitivo um terceiro. "Nada disso, mas sim gosto de pitangas levemente passadas, colhidas no orvalho da manhã junto a bosta seca de uma vaca holandesa POl prenhe de tres meses", arrematou um último.
De meu primo João Carlos, o pragmático, que vem servindo a todos os governos desde Jaime Canet, sempre em cargos de alta confiança, simplesmente obtive em resposta outra pergunta, acompanhada de uma cara de espanto:
- Ué, e você comia as balas Zequinha?!

Guido Weber é jornalista.

Histórias de Curitiba - A Fábrica de Carruagens

 

Histórias de Curitiba - A Fábrica de Carruagens

A Fábrica de Carruagens
Jorge Andriguetto

Neste ano maravilhoso dos 300 anos de Curitiba, com meu abraço, peço licença para incluir o meu testemunho sobre uma das mil e uma histórias de nossa querida cidade.
Em 1893, chegou a Urussan-ga, S.C., João Batista Gnoatto, o capo da tradicional Família Gnoatto, avô do Dr. João Batista Alberto Gnoatto, ilustre homem público, com passagem pela Prefeitura Municipal de Apucara-na e Câmara de Vereadores de Curitiba, da qual foi seu presidente, tendo promovido, inclusive, a restauração do magnífico Palácio Rio Branco.
Em 1895, o velho patriarca tranferiu-se para Curitiba, instalando, aqui, a primeira fábrica de carruagens.
Fornecia-as para os "cocheiros"da época, entre eles o Boscardin e o alemão Henrique Mehl.
Este, era o encarregado do transporte dos presidentes do Estado e de seus familiares.
Henrique Mehl importou, da Europa, os primeiros cavalos tordilhos.
Seus filhos, Manoelito (falecido) e Julin-ho, foram grandes turistas. O último deles, Waldemar, ébem sucedido empresário.
A fábrica de carruagens de João Batista Gnoatto, com a importação dos primeiros automóveis deu lugar a uma bem equipada oficina mecânica, na rua Des.
Motta, a cargo de seu filho Luiz Batista Gnoatto, casado com D. Paulina Guarize Gnoatto. São seus filhos além do citado vereador, o advogado Alfredo (falecido), Frei Damião, Madalena (falecidos), Alcides, Juiz de Direito, Lili Pupi, viúva de um ex-prefeito de Colombo; Milton, advogado; Terezinha Sozi, viúva, e Maria Cláudia, casada com o empresário An gelo Abage.
Em frente à oficina de Luiz Batista, estabeleceu-se seu cunhado, Tarqüinio Marchiorato, com o mesmo ramo, dando início, porém, à fabricação de charretes, veículo de tração animal, com rodados de pneus.
Eram lindas (meu pai, com comércio e chácara no Uberaba, teve algumas delas).
A oficina de Luiz Batista Alberto oferecia aos olhos de seus freqüentadores um espetáculo de arte
inédito.
Para começar, naqueles tempos, os mecânicos consertavam e faziam peças para os automóveis.
Hoje, sabem, apenas, trocar peças.
Na década de 1940, vivia em Curitiba o saudoso pintor e caricaturista Hélio Barros.
Era filho do grande advogado Hugo de Barros, de saudosa memória.
Dois outros irmãos deixaram sua presença marcada na história de Curitiba, o humanitário médico Dr. Mário de Barros, que foi deputado estadual e candidato a Governador do Estado, e Homero de Barros, também de saudosa memória, que foi professor catedrático de Direito do Trabalho.
Duas filhas, solteiras, ornamentam a nossa sociedade, a Cloris e a Diva. A última, extraordinária pianista, estilo clássico, como outras, fiel discípula de Chopin.
Voltando ao Hélio.
Mestre do pincel, deixou nas paredes da oficina de Luiz Gnoatto paisagens e retratos que encantavam a todos, Hélio era boêmio, buscava inspiração nas quebradas das madrugadas paca
tas de Curitiba.
Como era amigo dos Gnoatto, tinha livre acesso à oficina.
Assim, no resto da noite deliciava-se com sua criações, deixando-as em todas as paredes e janelas da oficina.
Pena que o casario daquele ponto, engolido pelo progresso, deu lugar a um horrível conjuntos de prédios.
Era assim a oficina mecânica de Luiz Alberto Gnoatto.
Foi assim a primeira fábrica de carruagens de seu pai, João Batista.
Mas, Hélio Barros deixou, também, como caricaturista, sua marca nas salas de espera de consultórios médicos e odontológi-cos.
Seria ineteressante que se promovesse uma exposição dessas gravuras, tão sugestivas, notada-mente, quanto aos dramas vividos naquelas antigas cadeiras de dentistas, verdadeiros instrumentos de horror.
Aqui vai minha despretenciosa sugestão.
Parabéns Curitiba.

Jorge Andriguetto é desembargador, catedrático e membro do Centro de Letras do Paraná.

Histórias de Curitiba - Férias nos anos 30-40

 

Histórias de Curitiba - Férias nos anos 30-40

Férias nos anos 30-40
Guido Weber

Vamos comentar as férias de minha geração nos anos 30 e 40, época em que o recesso escolar de meio de ano era apenas 2 semanas: de 15 a 30 de junho.
Era quando os pais levavam os filhos a veranear no nosso litoral.
No verão jamais, porque a possibilidade de se apanhar maleita era muito grande. Férias no verão apenas após os primeiros anos da década de 40, quando 60% do mangue sobre o qual está hoje assentado o balneário de Matinhos começou a ser aterrado por um dos veranistas da época, o Sr. Max Roesner, considerado um arrojado empreendedor imobiliário.
Comecemos pelo inicio da aventura, que era viajar para o nosso litoral.
No início dos anos 30, 90% das viagens eram feitas de trem até Paranaguá. O mesmo partia de Curitiba às 7 horas e chegava às 1 1 horas.
Primeira providência: atravessar em diagonal o largo fronteiriço à estação, e na esquina comprar as passagens pela "deligência"que partia as 13 horas para as praias.
Estas jardineiras eram veículos totalmente abertos nas laterais, e bancos mais ou menos duros colocados transversalmente. O percurso se fazia por 3 retas numa distância de 24 km, diretamente até a Praia de Leste, que na época era conhecida por "Vila Balneária". Era um vilarejo de banhistas composto de casas de madeira, de proprietários oriundos principalmente de Paranaguá.
Normalmente levava-se de
1 a 2 horas para fazer este percurso num leito aberto e aterrado sobre o mangue, onde os veículos andavam quase sempre em 1a e 2a marcha.
Daqui para frente iniciava-se a verdadeira maratona.
Se a maré estava baixa, tudo corria bem, e em 1 hora no máximo estava-se em Matinhos. Aí era uma festa; todos banhistas reunidos para receber as "deligências".
Ocasiões havia em que a maré de lua estava "empanturra-da", e não restava outra alternativa senão aguardar que ela baixasse, e então chegava-se em Matinhos à noite, após 12 horas de viagem.
Quantos veículos chegaram a ser perdidos por alguns motoristas inexperientes ou mais afoitos, principalmente na chegada em Matinhos onde havia o famoso rio a atravessar.
Na época, apenas 10% dos veranistas viajava para Matinhos com carro próprio.
De Matinhos, os veículos continuavam pela praia até Caiobá, que então era constituído por apenas algumas poucas casas.
Daí, seguiam até o "Porto de Passagem", onde com canoas se fazia a travessia para Guaratuba.
Aliás, quanta rivalidade havia entre os balneários de Matinhos e Guaratuba - este um balneário sonolento na época - ou entre matinhos e Ilha do Mel, que era igualmente freqüentada por estrangeiros e com igual desenvolvimento de Matinhos.
As noites de Matinhos eram de uma escuridão total.
Após o jantar, por volta das 19 horas, os veranistas vestiam seus pijamas e, com lâmpadas Petromax, iam fazer seu footing-digestão pela praia.
Urna hora após estavam iodos dormindo.
Os 15 dias de férias corriam, tranqüilos, e os únicos fatos fora
da rotina eram: o sobrevôo do dirigível Graf Zepelin em 1o de julho de 1936 ou então a aterrisagem de alguns aviões do Aero Clube pelos pilotos Prof.
Ewaldo Schiebler ou Winnie Gomm.
Veio a 2a Guerra Mundial.
Proibição total para os súditos do Eixo freqüentar nosso litoral.
Black-out à noite.
Em Caiobá embrionária, havia linha de tiro com metralhadoras instaladas na Praia Brava, e alvo móvel na Praia Mansa.
Balas verdadeiras ao longo da rua principal, onde hoje é o prédio do Parque Balneário.
Terminada a Guerra, foi feita a estrada interna ligando Praia de Leste a Matinhos, e mais tarde a Caiobá, quando começou o desenvolvimento de nosso litoral.
Mas esta já é outra história.

Guido Weber é engenheiro civil.