AS PRIMEIRAS TROPAS PASSAVAM POR CURITIBA
"O Ciclo da Mineração iniciado em Minas Gerais no final do século XVII, promoveu o povoamento desordenado dos terrenos acidentados da região e gerou grandes dificuldades de transporte.
AS PRIMEIRAS TROPAS PASSAVAM POR CURITIBA
"O Ciclo da Mineração iniciado em Minas Gerais no final do século XVII, promoveu o povoamento desordenado dos terrenos acidentados da região e gerou grandes dificuldades de transporte.
Aqueles que migraram para a região mineradora sonhavam com o ouro e a riqueza imediata e poucos se interessavam a trabalhar a terra. Não era lucrativo deslocar um escravo para a agricultura, quando esse mesmo escravo, empregado na mineração, proporcionava um lucro quase cem vezes maior ao seu proprietário.
Esta situação fez com que florescesse um comércio interligando o porto do Rio de Janeiro ao interior. Tanto os produtos manufaturados que chegavam de Portugal, quanto os gêneros agrícolas de outras origens, eram transportados no lombo de animais para a população das Minas Gerais, pois mais de 90% do consumo de necessidades dos mineiros tinha que ser importado.
O crescimento das cidades e a formação de uma classe aristocrática na região mineradora aumentaram a necessidade de animais, tanto para as atividades locais, como para o transporte de carga, cada vez maior, em direção ao Rio de Janeiro e São Paulo. Ao mesmo tempo a riqueza gerada pela mineração foi responsável por estimular uma série se atividades paralelas, urbanas, reforçando ainda mais a atividade dos tropeiros, que transportavam os mais variados produtos e ainda cumpriam o papel de mensageiros.
Inicialmente os tropeiros usavam os escravos para o transporte de alimentos e outros produtos, pois os caminhos existentes não passavam de trilhas e não comportavam a passagem de animais com cangalhas. Também não havia animais adaptados para este transporte, pois os cavalos não aguentavam o serviço. Levava-se cerca de quatro meses saindo de São Paulo para chegar até as minas, e muitas vezes os carregadores escravos morriam de fome ou cansaço. Eram forçados a caminhar depressa com muito peso e a comida era racionada.
Só a partir da abertura do Caminho Velho foi possibilitado o emprego de mulas.
O Caminho Velho foi aberto em 1660 por ordem do governador geral Salvador Correa de Sá e Benavides (1602-1688) e partia de Parati, seguindo uma antiga trilha indígena. Em 1597, Martim Correa de Sá (1575-1631) usou esta trilha para alcançar e combater um reduto dos índios Tamoios em Minas Gerais, com uma expedição de 700 portugueses e 2.000 índios escravizados.
Uma mula carregava uma média de 4 arrobas de carga e percorria de 5 a 6 léguas por dia. Normalmente cada tropa era composta de 8 a 10 animais equipados com cangalhas nas quais eram dependuradas as canastras ou bruacas contendo as mercadorias. O tropeiro montava um cavalo que possuía sacola para guardar a capa. A tropa era conduzida por ele que tinha vários auxiliares dentre os quais o cozinheiro e o arreador que seguiam a pé. Um animal mais antigo, a 'madrinha', seguia na frente da tropa com um cincerro no pescoço e os outros a seguiam docilmente num andar cadenciado pelo seu tilintar.
A alimentação dos tropeiros era constituída por carne seca, toucinho, feijão preto, farinha, pimenta do reino, café e fubá. Nos pousos comiam feijão cozido com carne seca e toucinho que era servido com farofa e couve picada. Não era permitido o consumo de cachaça. Havia permissão apenas nos dias muitos frios quando tomavam um gole para evitar constipação e como remédio para picada de insetos.
Estas mulas vinham do Rio Grande do Sul e dos países platinos. Argentina e Uruguai tinham tradição na criação de muares, pois a muito tempo fornecia os animais para o trabalho nas minas de Potosi (hoje na Bolívia). As mulas eram também usadas no transporte para o interior dos produtos provenientes da Espanha, como no sentido inverso, trazendo das minas a prata, que era transportada em navios pequenos pelos rios da bacia do Prata até o porto de Buenos Aires onde seguia em navios maiores e seguros para a Espanha.
Foi essa atividade dinâmica na bacia do Prata que estimulou o governo português a marcar a sua presença na região. Mesmo antes da assinatura do Tratado de Madri, em 1750, Portugal atuava no sentido de incorporar a região a seus domínios, interessado em participar do comércio local. Para isso houve a fundação da Colônia do Sacramento (1679) pelo capitão-mor e governador do Rio de Janeiro Manuel Lobo.
Durante os séculos 17 e 18, os tropeiros eram partes da vida da zona rural e cidades pequenas do sul do Brasil. Vestidos com a indumentária dos gaúchos com chapéus, ponchos, e botas, os tropeiros dirigiram rebanhos de gado e levaram bens destas regiões para São Paulo, geralmente comercializados na feira de Sorocaba. De Sorocaba, os animais e mercadorias eram encaminhados para as províncias de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.
O fato de a capitania de São Vicente ter prosperado de forma limitada, obrigou muitos de seus habitantes a subirem a serra e fixarem no planalto. Assim surgiu a vila de São Paulo, formada em princípio por uma camada pobre, que abandonara o litoral. A economia precária baseada numa agricultura de subsistência determinou a necessidade de atividades complementares, originando o bandeirismo, porém nem todo homem paulista tornou-se bandeirante. Muitos que inicialmente se dedicaram ao apresamento indígena, outros fixaram em terras no sul e, com o passar do tempo, foram se integrando ao pequeno comércio, praticado no lombo de mulas.
O tropeiro iniciava-se na profissão por volta dos 10 anos, acompanhando o pai, que era o negociante (compra e venda de animais) o condutor da tropa. Usava chapelão de feltro cinza ou marrom, de abas viradas, camisa de cor similar ao chapéu de pano forte, manta ou beata com uma abertura no centro, jogada sobre o ombro, botas de couro flexível que chegavam até o meio da coxa para proteger-se nos terrenos alagados e matas.
Durante os meses de setembro e outubro as tropas saiam do sul geralmente de Viamão, Cruz Alta ou Passo Fundo e seguiam a jornada passando por Lages, Mafra, Rio Negro (onde existia um posto de registro), Lapa, São José dos Pinhais e Curitiba. Em Curitiba os animais e os tropeiros permaneciam até abril e maio esperando a Feira de Sorocaba. Saindo em direção à Sorocaba as tropas passavam por Palmeira, Ponta Grossa, Jáguariaíva, Itararé, Itapeva, Buri (antigo Pouso da Escaramuça), Itapetininga, Alambari (antigo Pouso das Pederneiras), Araçoiaba da Serra (antigo Campo Largo de Sorocaba) e finalmente chegava ao destino. Em Sorocaba os animais eram amansados e engordados.
A estrada ligando a região dos Pampas a Curitiba foi iniciada em 1727. Em 1732 Cristóvão Pereira de Abreu (1678-1755) partiu da Colônia do Sacramento com uma boa quantidade de mulas com destino a São Paulo. Em 1733 esta tropa chegou à região de Sorocaba, saindo depois dali para a região mineradora de Minas Gerais. Foi esta tropa que deu início a Feira de Sorocaba. Cristóvão Pereira de Abreu era muito prestigiado pela Coroa. Foi ele também que construiu o forte Jesus, Maria, José de Rio Grande, demarcou limites e iniciou o povoamento do Porto dos Casais (hoje Porto Alegre), em 1753.
Ele fez com que a Coroa instalasse um posto de registro em Curitiba, para cobrar impostos sobre as mulas que ali passasse com destino a São Paulo. O posto foi instalado em 1736 e ele preiteou metade da arrecadação. Por uma carta régia datada de 4 de março de 1747, a Coroa autorizou que ele pelo período de 12 anos, ficasse com metade da arrecadação de impostos sobre os muares. Um novo posto de registro foi instalado em Sorocaba em 1750, apenas para a verificação de documentos.
Em 1754 têm-se registros de uma tropa que foi considerada a maior, composta de 3.780 mulas.
A feira de muares de Sorocaba tornou-se importante, atraiu novos moradores e permitiu o desenvolvimento do comércio e da indústria locais, popularizando produtos como: facas, facões, redes e quinquilharias. Era realizada de abril a junho. Durante o evento a vila tornava-se agitada e mais movimentada do que muitas capitais. As poucas pensões ficavam lotadas e muitos tinham que pousar em acampamentos. Os homens que traziam os animais do Sul adquiriam na feira outros itens para levar para as suas terras e gastava o dinheiro em festas e jogatinas. Por volta de 1750 vendiam-se ali cerca de 10.000 mulas por ano.
Em 1852, graças à acumulação de capital proporcionada por essas feiras, surgiram em Sorocaba as primeiras fábricas de tecidos de seda e algodão, pioneiras na província de São Paulo.
Mais tarde outras cidades como Itapetininga, Avaré e Itararé também começaram a realizar suas feiras de animais para concorrer com Sorocaba.
O tropeirismo foi importante até o final do século XIX quando a construção de estradas de ferro passou a ligar os pontos remotos do país e aposentou esta atividade."
(Extraído de: stravaganzastravaganza.blogspot.com)
Paulo Grani
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