sexta-feira, 13 de maio de 2022

MARIA BUENO: A SANTA DO POVO Os personagens que se destacavam na vida econômica, social, política e cultural da cidade, no alvorecer da República, hoje estão presentes na memória popular apenas por serem nomes de ruas e praças.

MARIA BUENO: A SANTA DO POVO
Os personagens que se destacavam na vida econômica, social, política e cultural da cidade, no alvorecer da República, hoje estão presentes na memória popular apenas por serem nomes de ruas e praças.


Pode ser uma imagem de 1 pessoa
Pode ser uma imagem de 1 pessoa
MARIA BUENO: A SANTA DO POVO
Os personagens que se destacavam na vida econômica, social, política e cultural da cidade, no alvorecer da República, hoje estão presentes na memória popular apenas por serem nomes de ruas e praças. Poucos curitibanos sabem quem foi Vicente Machado, Cândido de Abreu e Generoso Marques, por exemplo. Os nomes citados se destacaram como políticos importantes desse período. Quais suas obras? Merecem tamanha honra? Não vamos aqui polemizar, porém, se fizermos uma análise crítica, muitos dos nomes das nossas ruas deveriam ser alterados, não só em nossa cidade, mas em todo o Brasil. Um exemplo: historicamente, D. Pedro II foi um personagem muito mais importante que os Marechais Deodoro e Floriano, contudo quase todas as cidades brasileiras prestaram homenagem aos dois militares e se esqueceram do "Imperador Cidadão".
Se os figurões da política só são lembrados por serem nomes de ruas e praças, o mesmo não acontece com personagens de origem popular. No Cemitério Municipal São Francisco de Paula, segundo a pesquisadora Clarissa Grassi, o túmulo de Maria Bueno é campeão de visitas. Em meio a mausoléus suntuosos, construídos pela aristocracia do mate, um túmulo simples está sempre repleto de flores, velas, cartas de agradecimentos e pedidos.
Mas quem foi Maria da Conceição Bueno? As informações são desencontradas, ficando difícil um relato histórico consistente. Nascida em Morretes, no dia 8 dezembro de 1854, foi filha do lavrador Pedro Bueno, que desapareceu durante a Guerra do Paraguai. Sua mãe. Júlia Bueno, teria se transferido para Campo Largo da Piedade, vindo a falecer quando tinha seis anos. Com a morte da mãe, a menina passou a viver com a irmã, que tinha problemas psíquicos e a espancava terrivelmente. Diante dessa situação, foi trazida para Curitiba, vivendo até 1888 no Convento das Irmãs de Santa Marcelina. Quando as freiras deixaram a cidade, Maria empregou-se como doméstica.
Era uma bela morena muito cortejada pelos rapazes. Ser mulher, bonita e pobre não era vantagem, pois os assédios e atos violentos tornavam-se mais comuns. Segundo a versão tradicional, Maria viviai em concubinato com o anspeçada Ignácio José Diniz, gostava de dançar e desejava ir a um baile. O ciumento Ignácio não queria deixá-la ir sozinha, pois naquela noite estaria de serviço. Independente, Maria foi mesmo assim. Ignácio deixou o seu trabalho e, escondido no meio de um pequeno matagal, próximo de um banhado que havia na Travessa dos Campos Gerais (hoje Rua Vicente Machado), a esperou sair e a matou. O jornal Diário do Comércio do dia 30 de janeiro de 1893 noticiou o ocorrido:
"Apareceu assassinada Maria Bueno, de cor parda, em uma travessa da Rua Campos Gerais, desta cidade, tendo a cabeça completamente separada do corpo. Maria, segundo consta, era uma dessas mulheres de vida alegre, mas inofensiva criatura, de quem a polícia não tem a menor queixa em seu arquivo. A mutilação é grande no pescoço da vítima e conforme depreende de certos indícios, ela tivera uma tremenda luta com o assassino e tanto mais se justifica essa afirmativa quando se veem, nas mãos da infeliz, talhos profundos de cortante navalha, que fora segurada nas tréguas medonhas do desespero. Nada de positivo se sabe, até hoje, em referência ao bárbaro acontecimento, apesar de ter a policia desenvolvido pesquisa."
Há ainda duas outras versões sobre a biografia de Maria Bueno. Aquela dos que procuraram macular a sua imagem, afirmando que ela seria prostituta e que Ignácio a teria proibido de ir a casa de tolerância e, como ela teimou em ir. Ignácio a matou. É a velha história de culpar a vítima. Em uma outra versão, o "romântico" anspeçada se apaixonara por Maria, tudo fazendo para conquistá-la. Como não foi correspondido, enciumado e enraivecido, Ignácio a matou. Diante da documentação existente, essas versões devem ser descartadas.
Nem um funeral decente a moça teve, pois os padres da Igreja Matriz se recusaram a encomendar o seu corpo e de enterrá-la no Cemitério Municipal. Não se sabe a razão disso. Cogitou-se que talvez Maria Bueno fosse umbandista ou prostituta, não há como comprovar nem uma coisa e nem outra. Acabou sendo enterrada próxima do local do crime, numa cova rasa na Travessa dos Campos Gerais. Mãos generosas marcaram o local com tijolos e passaram a levar flores e a fazer pedidos.
Quanto ao assassino, acabou absolvido pelo Tribunal do Júri. Mais tarde, com a invasão de tropas federalistas, Ignácio Diniz, que combatia nas hostes de Vicente Machado, caiu prisioneiro pelo roubo de mulas e teria sido fuzilado pelos maragatos. Contudo, não há comprovação de que esse tenha sido o seu destino. Como se percebe, as fontes da época são escassas, e o historiador tem que se contentar com informações fragmentadas.
Ao longo do século XX, à medida que o culto a Maria Bueno foi aumentando, as lacunas foram sendo preenchidas. O romance Maria Bueno, de Sebastião Isidoro Pereira, publicado em 1948, foi tomado pelos fiéis como sendo uma espécie de "história oficial", pouco se importando em distinguir entre o que é história e o que é ficção.
A história tem mudanças e permanências. Nesses últimos 130 anos, as mulheres obtiveram muitas conquistas, contudo a violência e os preconceitos teimam em continuar existindo. Mudanças também ocorreram em relação ao próprio culto a Maria Bueno, conforme a arguta observação de Jussara Salazar (2019):
"Do mesmo modo, é interessante observar os santinhos recolhidos no cemitério ao longo de alguns anos. Muitas modificações ocorrem na fisionomia de Maria Bueno, os mais antigos trazem-na quase negra, como supõe-se que seria de fato, contrastando com os mais atuais, onde ela aparece com os traços de uma mulher supostamente branca. Ou seja, a matriz original vai deformando e reformando o mito, conforme interesses "oficiais". À medida que a narrativa e suas versões vão-se incorporando à realidade urbana, a romaria vai crescendo, começa a haver mais interesse. A presença cada vez maior de pessoas, inclusive de religiosos da Igreja Católica na romaria, vai alterando e transformando a matriz da antiga mártir popular em objeto de interesse que se reverte em atestado de fé oficial, ou seja, para esses novos parâmetros, é mais interessante que a "santa" Maria Bueno seja uma mulher branca e pura, o que lhe confere mais credibilidade quanto à possibilidade de canonização aparentemente já demonstrada pela igreja oficial." (SALAZAR, 2019).
----
- Livro: História Concisa de Curitiba - Professor Mocellin.
Imagens: turistoria.com.br / famosos que partiram.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário