CURITIBA EM TEMPOS DE GUERRA - EPISÓDIOS
Década de 30 e 40. Tempos de guerra na Europa e ditadura de Getúlio Vargas no Brasil. Não havia televisão, e nos cinemas, antes da exibição dos filmes programados, eram transmitidos com o nome de “atualidades”, filmes curtos com noticiários nacionais e do exterior, principalmente dos movimentos da 2ª Guerra Mundial entre as forças do Eixo (Alemanha nazista, Itália fascista e Japão) e as dos Aliados (principalmente os Estados Unidos, União Soviética e Inglaterra).
Tudo isso levava a população a frequentar os cinemas com assiduidade. O Cine Avenida com lotação para 2000 espectadores costumava, quando apresentava um filme bem avaliado, a superar a lotação com gente assistindo o filme em pé, Na época não havia controle de lotação máxima. Eu assisti “O Fantasma da Ópera” de 1943, em pé.
Nós, estudantes, nos reuníamos quase diariamente à tarde para fazer o “trottoir” (no bom sentido) percorrendo a calçada ao longo da Rua XV de Novembro, principal rua da cidade. O intuito era cruzar com as mocinhas, que geralmente em dupla, também percorriam o mesmo caminho e com troca de olhares, às vezes acompanhados de chistes nem sempre delicados.
Curitiba era conhecida como cidade de estudantes. Grande número deles vindos do interior e de outras capitais. A quantidade de universidades era pequena e a de Curitiba era bem conceituada.
Na universidade as aulas em geral não respeitavam horários continuados. Entre uma aula e outra, estudantes se deslocavam para a rua XV de Novembro bem próxima à universidade.
Mais até que o “trottoir”, o costume era encostar nas paredes dos prédios, em geral entre lojas e ficar apreciando as pessoas passarem. Chamava-se isso de “escorar as paredes”. Para os estudantes o chamariz eram as “gurias”, como são chamadas em Curitiba as mocinhas, passando pela calçada.
Chegando a noite, íamos escolher o cinema que apresentasse o melhor filme, ou pelo menos o que ainda não tínhamos visto durante a semana.
Certa noite saímos da última sessão de cinema, eu e mais dois amigos com uma missão especial: trazer pão para casa.
Era tempo de guerra e muitos produtos eram racionados. Gasolina era vendida em quantidades restritas para cada cliente. Os proprietários de veículos que o utilizavam muito, passaram a montar uma geringonça na traseira do veículo, chamada “gasogênio”.
Era constituído de uma caixa metálica ou cilindros sobressaindo na traseira do carro onde era queimado carvão ou até lenha em ambiente fechado. O combustível, queimado lentamente, produzia gás que alimentava o motor do carro. A solução, além de dar uma aparência feia ao veículo, promovia o desgaste mais rápido do motor previsto para o uso de gasolina. Mas era a guerra.
Produtos essenciais eram racionados e vendidos em pequena quantidade para cada freguês. O açúcar, por exemplo, tinha que ser procurado para encontrar em qual estabelecimento comercial estava disponível, e se dispor a entrar em longas filas com o risco do estoque acabar antes de chegar nossa vez.
Uma brincadeira conhecida na época era quando se cruzavam donas de casa amigas à procura de açúcar, e uma perguntava à outra com um toque de malícia: “Tem açúcar no seu Rego?”, em referência a uma das mais conhecidas lojas varejistas da cidade, denominadas na época de “Secos e Molhados”, e conhecida pelo nome do proprietário, “seu” Rego.
Quanto ao pão, o racionamento da farinha de trigo obrigava a maioria das padarias a produzir um pão misto, uma mistura da farinha de trigo com outros sucedâneos. O gosto era tolerável mas nada como um pãozinho normal . Descobrir uma padaria que ainda fabricava pão com farinha de trigo puro era um tento.
Por isso, nossa missão especial quando saímos do cinema. Alguém nos havia informado da existência de uma padaria assim nos arredores da cidade. Ela abria às 6 horas da manhã.
Passamos a madrugada inteira sentados na calçada em frente à padaria batendo animados papos. Éramos muito jovens, e apesar da guerra, nosso espírito adolescente nos mantinha vivazes e dispostos.
Quando a padaria abriu, éramos os primeiros na fila que já se formara, e pudemos adquirir os pãezinhos.
Voltamos para nossas casas orgulhosos por ter cumprido a missão: trazer pães deliciosos para nossas famílias.
Assim foi até o término da 2ª Guerra Mundial que durou de 1939 a 1945.
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