sábado, 27 de maio de 2023

FABRICA DE BALAS E CHOCOLATES URCA

FABRICA DE BALAS E CHOCOLATES URCA


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Fila de pessoas para comprar pão na época da 2ª Guerra Mundial. José Nicolau Abagge, conseguiu importar trigo da Argentina durante a guerra, produzindo pães para a população e bolachas que eram enviadas para os soldados da FEB que estavam no front de batalha.
Na foto, da esquerda para direita: O predinho do "Armazém São Francisco, Padaria e Fábrica de Bolachas". No prédio do meio, o primeiro Supermercado Abagge. No prédio da direita, a "Fábrica de Chocolates e Balas Urca". Em todos prédios, a parte superior era formada por residências na frente e, nos fundos, os salões eram utilizados pelas indústrias.


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Embalagem do bombom de "chocolate ao leite."


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O Ford da Padaria São Francisco (dirigido por Elias Abagge, irmão do sr. José Nicolau), era usado para fazer entrega de pães e correlatos nos armazéns da cidade e periferia.


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Logomarca da Fábrica de Balas e Bolachas São Francisco.


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Retrato emoldurado com tema do aparecimento da Senhora de Fátima aos três pastorinhos, oferecido pelas Indústrias "São Francisco" aos clientes, uma demonstração do sentimento religioso do sr. José Nicolau Abagge.

Desde criança, ouvia minha mãe, Iolanda Greinert Grani (89), contar suas lembranças do tempo em que trabalhou numa fábrica de balas e chocolates que pertencia ao sr. José Nicolau Abagge, a qual funcionava na rua Saldanha Marinho nº 1260 (entre a Brigadeiro Franco e a Desembargador Mota), em Curitiba, em frente à Igreja São Francisco de Paula. Lá, trabalhou junto com outra operária, Iracema Scaramella Henze (91), sua colega desde a juventude, a qual tornou-se minha madrinha de batismo.
Minha mãe contou-me que foi admitida, nos idos de 1948, para "embrulhar" balas. Determinada na realização das tarefas que lhe designavam, logo destacou-se entre as operárias. Dona Carmela, esposa do seu Nicolau, logo percebeu sua facilidade de aprender e espontaneidade na realização de tarefas. Então, em determinada ocasião conversou com ela procurando saber sobre seus costumes e perspectivas de vida, onde percebeu, também, seu bom caráter e honestidade.
Em pouco tempo, Iolanda foi remanejada para o setor de expedição de pedidos, onde conferia o peso das latas de balas e outros produtos, carimbava as notas de vendas, colocava os selos dos impostos, conferia as caixas e latas durante os carregamentos, controlava estoques dos ítens fabricados, atendia compradores que vinham do interior e, ainda cuidava da inspeção das outras operárias, no tocante ao uso do uniforme de trabalho e inspeção de saída. Quando a produção da seção de balas atrasava algum pedido, ela ia ao setor de enchimento das latas e auxiliava, até completar os pedidos. Trabalhou nessa fábrica durante três anos e saiu em 1951, para se casar com meu pai Edevino Grani.
Recentemente, lembrei-me do que ela contava com grande satisfação acerca daquele tempo de sua vida, e fui em busca dessa história para melhor conhecer essa empresa, seu empreendedor, e entender o contexto.
Pois bem, o seu José Nicolau Abagge (nome de batismo Yussef), era um imigrante sírio, nascido em 18/04/1892. Seu temperamento empreendedor, aventureiro e corajoso, fez com que, em 1905, com apenas treze anos de idade, se aventurasse embarcar em direção ao Brasil buscando melhor condição de vida para si e seus familiares.
O pequeno José juntou-se a outros meninos da mesma idade, entre eles Jorge Gid e Elias Bitar, e embarcaram clandestinamente em um navio que partiu em direção à "terra prometida", o Brasil. Desembarcaram no Rio de Janeiro, onde permaneceram unidos como irmãos. Naquele começo, mantinham-se vendendo bilhetes de loterias e fazendo bicos em geral. Por sua vez, seu José saía pelas ruas do Rio vendendo doces árabes que ele mesmo confeccionava, pois aprendera a fazê-los com sua mãe, desde sua infância na Síria. Com o dinheiro que produzia, além de manter-se, enviava uma parte para sua família, na Síria, para ajudá-la no seu sustento.
Ele e seus amigos mantiveram-se sempre unidos, algum tempo depois resolveram mudar-se para Curitiba, para tentar a vida pois souberam que havia outros patrícios já estabelecidos na cidade. Ao chegar em Curitiba no começo da década de 1910, José Nicolau começou a trabalhar fazendo sorvetes e doces; depois foi trabalhar como padeiro em uma padaria, cujo dono ensinou-lhe tudo sobre panificação. Mais tarde, esse senhor vendeu-lhe essa padaria que ficava na rua Saldanha Marinho, sendo este empreendimento o início de seu sucesso como empresário. Em 1916, casou-se com Carmela Aymone, imigrante italiana. Em 1934, José naturalizou-se brasileiro.
Trabalhando com determinação, instalou no mesmo prédio um armazém, onde vendia os chamados "secos e molhados". Mudou a padaria para os fundos do mesmo prédio, instalando junto dela, uma fábrica de bolachas.
Com seu espírito empreendedor, construiu ao lado direito desse Imóvel mais dois predinhos de dois pisos. Nesse imediato, instalou o primeiro Supermercado Abagge de Curitiba e, no outro da direita, uma Fábrica de Balas e Biscoitos, mais tarde, ampliada para fabricação de chocolates, também.
Em 05/11/1937, o Jornal da Tarde, de Curitiba, publicava o lançamento das "Balas Caipira", produzidas pela Fábrica de Balas e Bolachas J.N. Abagge: "Alerta Petisada !!! Balas Caipira - Coleções Premiadas. A última novidade a ser lançada na praça, hoje. Além de ser um produto saboroso, oferece aos seus colecionadores os mais lindos prêmios. As Balas Caipira, cuja coleção completa compõe-se de apenas 60 (sessenta) quadros (figurinhas) numerados(as), distribue os mapas elucidativos [...] que formam a coleção. À venda em todos os negócios da Capital e do Interior. Pedidos dirétos pelo telefone 89 - J.N.Abagge - Curityba."
Ao que tudo indica, o empresário José Nicolau Abagge estava tentando seguir o sucesso das Balas Zequinha, as quais estavam sendo comercializadas em Curitiba e no estado, desde 1929, com apenas 50 estampas naquela época. Pena que não localizamos quaisquer figurinhas dessa citada coleção.
Iracema, descreve o funcionamento da Fábrica de Balas em 1948: "Na fabricação de balas, o seu Romão, um imigrante russo e surdo-mudo, era o confeiteiro. Manuseava o tacho fervente, cujo cristal despejava, primeiramente, numa mesa de aço e, depois com a ajuda de um gancho fixado na parede, esticava e dobrava a massa, sem parar, até dar o ponto certo e atingir o diâmetro certo para o corte dele, no tamanho das balas. Nesta seção trabalhavam mais de trinta pessoas, contando as embrulhadeiras. Seu Romão permaneceu na fábrica até a sua venda, em 1958.
"Eram produzidas balas carioca da gema, as de goma, de hortelã, de guaco, de canela, pastilhas de frutas (chamadas tuti-fruti) e outras. A "carioca da gema", era muito gostosa, feita de côco e gema de ovo, era a bala mais difícil de embrulhar, pois era compridinha e pequena. A bala de guaco, também muito apreciada, era quadrada, grande e esverdeada.
Em 16/02/1943, José Nicolau Abagge publica no jornal curitibano Folha da Tarde, a aquisição das marcas de chocolates "Urca" e "Mégue", da fábrica do mesmo nome, de São Paulo-SP, o embrião de sua fábrica de balas e chocolates.
Sobre a Fábrica de Chocolates, Iracema Henze descreve suas lembranças da fabricação de chocolates: "A chocolataria era gerenciada pelo sr. Amorim e a chefe de produção, era dona Daltiva. O bomboneiro era um senhor chamado José. O setor de chocolataria recebia os sacos das sementes de cacau que vinham dos produtores e iniciava-se o processo de fabricacão torrando as sementes. Descascavam, separavam os resíduos e depois moíam as amêndoas até virar pó. Por último, prensavam até virar uma massa que, depois, era derretida; separava-se uma parte que era o chocolate amargo e na outra parte era adicionado leite e açúcar, para fazer o famoso chocolate ao leite. Os chocolates eram levados em formas às geladeiras até dar o ponto de manuseio, depois de desenformados eram espalhados sobre as mesas e embalados um a um pelas operárias que ficavam sentadas ao redor das mesas.
"Na seção de chocolates trabalhavam diversas pessoas na parte artesanal de sua produção e o embrulhamento era manual, onde trabalhavam cerca de 30 operárias. Produzia-se um bom sortimento de bombons: ameixa preta, côco carioca, frutas, passas, damasco, triângulo com passas, creme branco e outros.
"O bombom chamado côco carioca era feito inteiro com côco e recoberto de chocolate. Já o de damasco, era feito com creme branco, ia para a estufa até secar e, depois era coberto com chocolate. Fazíamos um chocolate pequeno, chamado "Bis", tipo grão, em cujo interior tinha licor, eles eram colocados em uma caixinha de papelão.
"Antecedendo a Páscoa, a chocolataria passava a produzir, também, coelhos recheados de vários tamanhos, alem de ovos e outras guloseimas de páscoa. Os ovos de diversos tamanhos, eram embrulhados em papel aluminizado de diversas cores. O menor ovo, era chamado mignon.
"No ano de 1947, em plena 2ª Grande Guerra, a fábrica recebeu uma encomenda inusitada, da parte da Loja (Armazem Scander ?) , cujas vitrines ficavam de frente para a Estação de Bondes que havia na Praça Tiradentes: Fazer um grande ovo de páscoa, que seria colocado na vitrine da loja e seria objeto para venda de uma rifa numerada. Detalhe, o ovo deveria estar envolto a uma Bandeira do Brasil, confeitada, estendida e drapeada com ondulações, nas cores e dimensões oficiais.
"Então a equipe de confeiteiros da chocolataria debruçou-se em fazer aquele ovo de páscoa inusitado, com quase hum metro de altura. Dentro, foi recheado com um grande coelho envolto a papel alumínio e assentado em uma cesta cheia de ovos de diversos tamanhos e cores, em meio a tiras de papel celofane. O ovo teve que ser feito em partes separadas, e, após recheado, montada a parte superior. Foi um desafio que alegrou cátodos e dona Carmela e seu José elogiaram a equipe.
"Terminado o desafio, o grande ovo foi levado à loja e colocado na sua vitrine principal. Aquele ponto de bondes, à época, era o local de maior circulação da cidade. Rapidamente a notícia correu por todos os cantos da cidade e o público vibrou com a idéia.
"A alegria durou pouco pois, logo que a notícia chegou ao ouvido das autoridades, alguém apontou que aquilo feria a lei sobre a bandeira e que ela não poderia ser exposta estampada daquela forma. O delegado mandou retirar a bandeira do ovo. Enfim, o ovo voltou à fábrica e a linda bandeira confeitada, drapeada em seu entorno, foi retirada.
"Na seção de bolacharia, dona Alice capitaneava mais de vinte moças. Produziam as bolachas tipos maria, champagne e maisena. Faziam, também, os biscoitos tipo cream crackers quadrados e os salgadinhos redondos.
"Seu Nicolau, como todos os funcionários o bem conheciam, era uma pessoa muito boa, de um coração ímpar, porém, bastante enérgico, pois assim era necessário ser, para tratar o grande número de funcionários que tinha."
"Certa vez, os cartazes anunciavam o filme A Grande Valsa, que passaria em matinê no Cine Palácio, cuja propaganda despertou entre algumas funcionárias, bolarem um jeito de fugir do serviço, durante aquele expediente. O plano arquitetado envolvia apenas quatro delas, pois, em maior número, poderiam ser descobertas. Chegou a hora, naquela tarde, e, cada uma delas deram um jeito de escapar e esgueiraram-se por um muro que tinha uma passagem que dava acesso à rua e, correram em direção ao cinema.
"Uma outra funcionária, que não foi convidada, descobriu o plano arquitetado e, depois da fuga das quatro cumplices, correu delatar ao seu José o acontecido. Ele ficou furioso, vestiu um terno branco que gostava de usar quando ia ao centro, e foi até a frente do cinema, onde aguardou até o fim da sessão. Na saída do público, as quatro amigas, de mãos dadas, deram de cara com o seu José postado à frente, de braços cruzados, tipo um pai que flagra suas filhas fazendo algo proibido. Elas, correram em direções diferentes e sumiram. À ele restou esperá-las na fábrica. Ao confrontá-las, uma a uma, foi aquele sermão."
Uma das protagonistas era a própria Iracema, então, uma bela jovem de 17 anos, fazendo suas proezas. Saiu da fábrica em 1951 para se casar com Waldemar Henze.
José Nicolau Abagge, foi um empreendedor de rara atividade. Com seu fabuloso tino comercial tornou-se grande empresário, tendo aberto as seguintes empresas: Industrias Alimentícias Abagge, Armazém São Francisco, Chocolates Urca, Panificadora São Francisco, Fábrica de Balas e Bolachas São Francisco, Olaria Abagge, Serraria Abage, Carpintaria Abagge, Fábrica de Brinquedos Abagge, Estamparia Abagge, Latas e Embalagens Abagge, entre outras.
Foi muito influente na vida social, política, econômica empresarial e religiosa do Estado. Foi benemérito na construção da Igreja São Francisco de Paula e a Igreja Ortoxa São Jorge. Foi um dos idealizadores e fundadores do Clube Sírio Libanês do Paraná e do Iate Clube de Guaratuba.
Em 1951, iniciou a construção de um moinho nas imediações da linha férrea Curitiba-Paranaguá, que hoje é o Moinho Anaconda. Não chegou a ver concluída a obra, pois faleceu antes, em 06/04/1953, aos 58 anos de idade. Deixou 10 filhos, 32 netos, 68 bisnetos e 18 trinetos.
Após o falecimentos do seu José Nicolau e sua esposa, em 1953, a Fabrica de Chocolates foi transferida para os filhos Leonardo e Nicolau e seu genro Levy Suplicy Ferreira do Amaral, os quais venderam-na em 1958.
Hoje, o antigo prédio da Fábrica de Chocolates, abriga as instalações das empresas Coletiza e Mada.
(Agradecimento especial aos membros da família Abagge: Dr. Munir Abagge, Sheila Cordeiro Abagge, Mário Abagge e Juçara Amaral Sprenger / Fotos: Acervo da família Abagge, Biblioteca Nacional, Pinterest)
Paulo Grani

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